A Jovem Agricultora Diana Valente é doutorada em Ciências Veterinárias e trabalha no setor da cerealicultura e na produção de bovinos de carne de raças autóctones. Nesta entrevista aborda a importância do bem-estar animal e da sua crescente relevância em Portugal. “Embora saibamos que a implementação de algumas das obrigações representam investimentos extremamente avultados para as explorações pecuárias, sabemos também que são imprescindíveis”, garante.

Qual a importância do bem-estar animal no atual contexto agrícola português?
O bem-estar animal de animais de produção é um tema com crescente relevância no setor agrícola português, sendo o reflexo de tendências globais, alinhadas com as expectativas dos consumidores, e que priorizam práticas agrícolas mais sustentáveis e éticas. Além disso, a defesa do bem-estar animal é responsável pelo aumento da produtividade, da qualidade dos alimentos e da rentabilidade das explorações pecuárias, pelo que é fulcral para a sua sobrevivência e sucesso.
A intervenção ‘Bem-estar animal e uso racional de antimicrobianos’ diz respeito a um regime de Controlo no Âmbito das Intervenções PEPAC – Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, e deve ser proposto anualmente a candidatura através do Pedido Único. Qual o seu impacto na melhoria efetiva das boas práticas pecuárias?
Esta intervenção é um incentivo à melhoria do bem-estar de bovinos e suínos, em regime intensivo, bem como pretende incentivar a redução do uso de antimicrobianos e o seu uso racional. No que se refere ao bem-estar animal, o acesso a esta intervenção implica que as explorações sejam sujeitas a uma avaliação de bem-estar e respetiva certificação. Esta avaliação, por si só, é bastante positiva, pois permite identificar precocemente algumas doenças subclínicas e alguns fatores de risco, permite-nos olhar para os animais e identificar situações que de alguma forma poderiam passar despercebidas, e permite-nos identificar razões de sub-rendimento. Além disso, contribui para a inovação e melhoria de algumas práticas de produção relativas ao bem-estar dos animais. Quanto à certificação, esta oferece credibilidade e transparência à produção, contribuindo para uma maior aceitação por parte do consumidor. No que respeita ao uso racional de antimicrobianos, é também uma medida de extrema importância por contribuir para a garantia da segurança dos alimentos e promover a proteção da saúde pública e a proteção do ambiente. A resistência antimicrobiana é uma preocupação ao nível mundial, pelo impacto que tem no âmbito da ‘One Health’ (Uma Só Saúde), sendo assim transversal à saúde humana, à saúde animal e ao meio ambiente. Para promovermos a redução do uso de antimicrobianos nas explorações pecuárias, teremos de investir em estratégias alternativas, tais como o maneio, a biossegurança, a vacinação e o desenvolvimento de planos nutricionais adequados. Todas estas medidas são de extrema importância para a saúde animal, sendo também fundamentais para a garantia do bem-estar animal, pelo que, os dois objetivos, de promoção do bem-estar animal e do uso racional de antimicrobianos são, na verdade, indissociáveis.
De que forma é possível promover uma utilização mais racional de antimicrobianos?
Como referi anteriormente, existem várias estratégias que podemos adotar para melhorar a saúde animal, prevenindo o surgimento de algumas doenças. Dessa forma conseguiremos reduzir o uso de antimicrobianos e promover a sua utilização racional, que implica que os utilizemos apenas quando estritamente necessário. Deste modo, práticas de maneio associadas à densidade animal, às condições ambientais da exploração, à identificação de sinais precoces de doença e a implementação de medidas de minimização do stress e são fundamentais. Além disso, são também importantes as medidas de biossegurança como o controlo da entrada e saída de pessoas e animais da exploração, a quarentena de novos animais e animais doentes, o controlo da entrada de animais selvagens, a desinfeção de instalações e equipamentos, entre outras. A nutrição com recurso a dietas adequadamente balanceadas e adaptadas às exigências nutricionais dos animais, as quais dependem da fase de desenvolvimento em que se encontram, são também de extrema importância. Outras estratégias como a vacinação ou a seleção genética de animais resistentes a determinadas doenças poderão ser implementadas. Por fim, a formação e capacitação de técnicos e produtores é também fundamental para que possam ser facilmente implementadas medidas de controlo e identificação precoce de algumas das doenças ou eventuais fatores de risco.

As condições de proteção em que são mantidos os animais são determinantes para o seu bem-estar e saúde, bem como para a segurança alimentar, qualidade e valorização dos produtos alimentares. Que caminho tem trilhado, na sua opinião, o País?
A meu ver, Portugal tem feito progressos significativos no que respeita ao bem-estar dos animais de produção, alinhando-se com a legislação imposta pela União Europeia. Embora saibamos que a implementação de algumas das obrigações em matéria de bem-estar representam investimentos extremamente avultados para as explorações pecuárias, sabemos também que são imprescindíveis. Assim, é fundamental que exista apoio ao investimento nesta área para que os produtores não se sintam desamparados e para que não percamos explorações que alcancem um patamar de incapacidade de resposta às referidas obrigações. Por outro lado, é importante que este apoio permita não só o cumprimento das obrigações legais, mas também que as explorações o possam utilizar para inovar em matéria de bem-estar. Embora seja de realçar esta evolução positiva, sabemos que no que respeita aos mercados estamos consideravelmente limitados. É fulcral que se promova, a nível europeu, a reciprocidade no bem-estar animal entre a União Europeia e os países terceiros. Deste modo, é fundamental definir padrões equiparáveis de bem-estar entre os produtos de origem animal importados, os quais devem refletir os princípios éticos da UE, atendendo, assim, aos mesmos padrões de bem-estar animal, e contribuindo, desta forma, para a sustentabilidade global dos sistemas alimentares.
Nota: Entrevista publicada no Suplemento Bem-Estar Animal inserido na edição N.º 140 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.