Pecuária regenerativa e Uma Só Saúde: bem-estar animal (humano e não humano) e saúde ambiental

O conceito da Uma Só Saúde está a entrar cada vez mais no nosso vocabulário, se não em conceito, na evidência de admitirmos a necessidade urgente da sua prática efetiva. Defende que as saúdes humana, animal e ambiental estão interligadas e são interdependentes.

Foto: Cláudio Reguengo

Andreia Reis1, Iara Machado1, Juliana Duarte1, Maria Olívia Mendes1, Sara Moura1, Teresa Letra Mateus1,2

1 Escola Superior Agrária (ESA), Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC)

2 Center for Research and Development in Agrifood Systems and Sustainability (CISAS), ESA-IPVC

Nos dias que correm, é essencial repensar a forma como cuidamos do ambiente e dos animais, e essas preocupações estão cada vez mais vertidas na legislação comunitária e nacional, sendo urgente passá-las à prática, tal como é proposto pelo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum em Portugal (PEPAC).

Ao longo dos anos, tem sido crescente a preocupação com a saúde ambiental, nomeadamente com as alterações climáticas. A pecuária, especialmente quando mal praticada, intensiva e associada a ruminantes, pode ser uma fonte importante de emissão de gases com efeito de estufa, contribuindo também para a degradação dos solos, devido ao sobrepastoreio e à produção intensiva e em grande escala de alimento para os animais. Com vista a minimizar os impactos no Planeta, surge cada vez mais o conceito “pecuária regenerativa”, um sistema de produção animal que implementa práticas que, além de aumentarem a produtividade e reduzirem custos a longo prazo, melhoram a qualidade de vida dos animais (humanos e não humanos), produzem alimentos mais saudáveis e reduzem o impacto ambiental.

A pecuária regenerativa utiliza práticas de maneio ecológicas, de forma a que o pastoreio dos animais contribua para a promoção dos ciclos vitais do ecossistema. Destaca-se pela utilização da fauna e flora autóctones, já adaptadas às condições ambientais locais, e tem em conta a qualidade e o tempo de recuperação do pasto, assim como o tempo de ocupação animal ideal. Desta forma, está inclusa no modelo mais amplo de agricultura regenerativa, um modo de produção alimentar alternativo que visa minimizar os impactos negativos ambientais e sociais.

No que diz respeito ao impacto ambiental, a pecuária regenerativa apresenta como principais vantagens a naturalização das emissões de metano dos ruminantes e o sequestro de carbono. Sendo um facto que o metano quando libertado permanece na atmosfera durante alguns anos, depois é convertido em dióxido de carbono, podendo ser absorvido pelas plantas (usado para a fotossíntese), que serão novamente consumidas pelos animais (uma espécie de economia circular ambiental, como tanto se defende no presente). Ou seja, apesar de se admitir o impacto do metano no aquecimento global a curto prazo, há que entender que faz parte natural de um ciclo biogénico ancestral. Já o dióxido de carbono, produzido em grandes quantidades pelas culturas de soja e sua transformação, é bem mais persistente a nível ambiental. O sequestro de carbono baseia-se na capacidade de fotossíntese das plantas, que o sequestram no solo. Em pastos fixos as plantas não atingem o seu máximo crescimento, visto que os ruminantes as consomem e pisam aleatoriamente por tempo indeterminado. Por outro lado, nos pastos rotativos, característicos de práticas regenerativas, as plantas completam mais facilmente o seu ciclo de crescimento, o que vai contribuir para o aumento do teor de carbono no solo, salvaguardando-o e garantindo um sequestro a longo prazo.

Foto: Manuel Dantas

A pecuária regenerativa pode ser complementada com práticas da agricultura regenerativa, como plantio direto e integração da agricultura com a pecuária que melhoram a composição do solo (aumentam a diversidade e quantidade de nutrientes), promovem a retenção de água e a porosidade do solo, facilitando a sustentação de raízes, o que auxilia o crescimento das plantas, maximizando a fotossíntese e o sequestro de carbono. Para além disso, a criação de um ambiente mais complexo através da rotação de pastos e da inclusão de mais espécies de plantas, torna os solos mais resistentes a pragas.

A integração da pecuária num sistema regenerativo é realmente vantajosa. Para obtenção de um solo fértil uma opção a ter é conta é a integração de gado nas pastagens, de modo a que se alimente da forragem disponível e de resíduos de culturas não consumíveis pelo Homem. Obtêm-se assim fezes que irão fertilizar naturalmente, evitando fertilizantes sintéticos.

Para além disso, a junção dos dejetos com resíduos vegetais, promove a decomposição microbiana da matéria orgânica, que a transforma e aumenta a capacidade do solo em sequestrar carbono.

Outro benefício da presença de animais para o solo é o favorecimento do seu arejamento pelo simples facto de o pisarem (quebrando a camada superficial e aumentando o número de poros, permitindo uma melhor penetração da água e do ar). O arejamento favorece o crescimento das raízes e a evolução de microrganismos benéficos. A integração de animais também tem um papel importante no seu bem-estar, nomeadamente nos parâmetros livre de fome, desconforto e stress e na capacidade de expressão do seu comportamento natural.

Na pecuária regenerativa, geralmente tem-se uma pastagem fitoquimicamente rica, os animais são mais resilientes, dependendo menos de antibióticos ou outros fármacos. Por outro lado, nesta pecuária são geralmente usadas raças autóctones, que são naturalmente mais resilientes, bem-adaptadas e que respeitam o ambiente que habitam. Os alimentos que resultam destes animais (sejam eles carne, ovos ou leite e seus produtos) terão naturalmente uma qualidade superior. Por exemplo, a carne de bovinos e suínos de pecuária regenerativa é naturalmente mais rica em gorduras ditas saudáveis como o ómega-3 e tem uma melhor relação ómega-6/ómega-3, comparando com a carne de animais produzidos em sistema intensivo.

Portanto, uma pecuária regenerativa evidencia benefícios para os animais, para o ambiente e também para os humanos. Não só para os que vivem no Planeta Terra (independentemente do seu regime alimentar), como para os que consomem alimentos provenientes deste modo de produção, e até para os próprios produtores pecuários! Existem evidências científicas de que os que seguem práticas regenerativas são mais felizes, mais saudáveis, sentem-se mais realizados e mais próximos da comunidade onde habitam.

Nota: Artigo publicado no Suplemento Bem-Estar Animal inserido na edição N.º 140 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.