Olhar para cada território rural implica reconhecer o trabalho das comunidades rurais ao longo de gerações, cuja modelação da paisagem através da construção de um património agrícola e alimentar valioso deixaram, ao presente, um conjunto de sistemas alimentares singulares (sistemas de evolução lenta) basilares para a preservação da identidade cultural portuguesa.
Texto: Cristina Amaro da Costa | Coordenadora do projeto PAGE e professora coordenadora da ESAV | IPV
Fotos: Marcelo Borges | Vagari
Nas últimas décadas, em Portugal e no mundo, tem-se reconhecido a necessidade de proteger e salvaguardar tais paisagens agrícolas e alimentares enquanto património cultural nacional e, nalguns casos, reconhecidos pela FAO como Sistemas de importância do património agrícola mundial.
Sistemas agrícolas singulares, como os que se encontram na região do Barroso, Serra da Estrela e Serra de Serpa, resultam em expressiva agrobiodiversidade, onde o conhecimento e as práticas tradicionais locais associadas à gestão de recursos naturais são essenciais à atividade agrícola, segurança alimentar e nutricional das comunidades locais, identidade cultural e conformação de “paisagens alimentares” únicas.
Estes sistemas são permanentemente colocados em risco por fatores como a transformação agrícola, urbanização, incêndios florestais, abandono dos territórios, alterações climáticas, mas também pela dificuldade de reconhecer, conservar e valorizar o conhecimento salvaguardado por famílias de agricultores ao longo de gerações, em particular por mulheres, muitas vezes assentes em processos de inovação ‘invisíveis’.
Impulsionar este conhecimento e processos de inovação liderados por mulheres e jovens irá criar gerar oportunidades económicas, sociais e culturais que contribuirão para a preservação destas paisagens singulares, e ao mesmo tempo, para melhorar as condições de vida dos agricultores, criar novos projetos agrícolas, a que se associam atividades turísticas e culturais, e gerar riqueza e coesão social.
Assim, urge sistematizar e partilhar inter-geracionalmente o conhecimento tradicional acumulado, sistematizar os mecanismos promotores de inovação associados a mulheres e jovens e desenvolver ações integradas, que possam contribuir para fixar e atrair novos agentes, principalmente jovens, para os meios rurais através de abordagens de revitalização centradas na valorização do conhecimento tradicional, da história/memória, da cultura, da paisagem, a partir de produtos e serviços de qualidade e valor simbólico, em particular os que resultam de cenários de empreendedorismo transmitido ao longo de gerações.
Neste contexto, a iniciativa PAGE irá contribuir para a revitalização dos territórios rurais, a partir do potencial inovador das mulheres e jovens agricultores, para a coesão social através da valorização do capital social e de dinâmicas de cooperação associadas ao património agrícola e alimentar existente, e para a agregação de valor agrícola, ambiental e cultural com o fim de facilitar a criação de mais empresas e serviços conexos em resultado de processos de inovação liderados por mulheres e jovens.
O projeto, coordenado pela Escola Superior Agrária de Viseu, teve início em 2023, e tem como parceiros a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal; o Centro de Competências de Agricultura Familiar e Agroecologia representado pela ACTUAR, duas PMEs (Vagari e ERVITAL) e quatro jovens agricultores (Virtudes Outonais, Filipa Amaral, Vanessa Andrade e Sebastião Machado).
Objetivos do projeto
O projeto PAGE, através da promoção e valorização dos sistemas alimentares singulares – sistemas de evolução lenta, basilares para a preservação da identidade cultural portuguesa -, tem como objetivos:
(1) valorizar o conhecimento tradicional, produtos e serviços de qualidade e valor simbólico diferenciados destes sistemas singulares;
(2) sistematizar mecanismos promotores de inovação associados a mulheres e jovens;
(3) disponibilizar processos atrativos para atrair novos agentes, principalmente jovens, para os meios rurais para desenvolverem atividades agrícolas e conexas;
(4) desenvolver uma ação integrada que inclui uma rede de inovação, e suporte à criação de novos negócios e empresas, nomeadamente na área do turismo a nível nacional e internacional, de modo a contribuir para a manutenção dos modos de vida das/os agricultores/as e outros/as produtores/as de alimentos, e à atração de mulheres e jovens para revitalizar os territórios rurais.
Nota: artigo publicado na edição n.º 137 da Revista ‘Jovens Agricultores’, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.