Grande Entrevista com Margarida Balseiro Lopes

“O envelhecimento populacional no setor agrícola é um dos maiores desafios que enfrentamos”, refere a ministra da Juventude e Modernização nesta entrevista concedida à revista ‘Jovens Agricultores’ N.º 140. Margarida Balseiro Lopes aborda as medidas em curso para apoiar os jovens em Portugal, em concreto na Agricultura. Considera que os Jovens Empresários Rurais (JER) e os Jovens Agricultores “são muito importantes para o desenvolvimento sustentável das áreas rurais”, e garante que “o Governo está empenhado em apoiar e incentivar o espírito empreendedor associado à figura do JER”.

É uma das ministras mais jovens de sempre a integrar um Governo, e precisamente com a pasta da Juventude. Que balanço faz até agora, tendo em conta as condicionantes políticas conhecidas, e quais os grandes desafios que tem tido?

O balanço é manifestamente positivo. Nunca se falou tanto de Juventude em Portugal como hoje. Este Governo tem demonstrado que os jovens são uma prioridade e este Orçamento do Estado reflete isso mesmo, são mais de 628 milhões de euros em novas medidas, que acrescem ao investimento já existente. Reconhecemos que o custo financeiro destas medidas é elevado, mas é significativamente inferior ao preço que o País pagaria se continuássemos a ver a geração mais qualificada de sempre continuar a emigrar.

Com que dificuldades se tem confrontado numa tutela exigente como a dos jovens?

O principal desafio na área da Juventude é, sem dúvida, reter os jovens em Portugal, especialmente os mais qualificados. É inaceitável que cerca de 30% dos jovens, ou seja, aproximadamente 850 mil jovens, emigrem. Claro que não existe qualquer problema em um jovem optar por emigrar se for essa a sua vontade. O verdadeiro problema é que a grande maioria dos jovens emigra porque não consegue encontrar cá as condições para se poder emancipar. É nossa responsabilidade criar as condições necessárias para que os jovens escolham ficar.

Quais são as grandes linhas programáticas na área da Juventude que pretende implementar durante o mandato e que ainda estão por cumprir?

O Governo já apresentou um conjunto de medidas dedicadas à Juventude, em áreas essenciais como salários, habitação, alojamento estudantil e saúde mental e física. Contudo, como tenho vindo a sublinhar, esta não é “a agenda do Governo para a Juventude”. Este é um primeiro conjunto de medidas de emergência para os jovens. Vamos continuar a trabalhar em novas iniciativas, abrangendo outras áreas, para reforçar o nosso objetivo central: reter os jovens em Portugal. Este ano marca também o fim do II Plano Nacional de Juventude. Já estamos a preparar um processo de auscultação à juventude e às associações juvenis, para que possamos desenvolver um novo Plano Nacional de Juventude. A nossa ambição é clara: construir um plano participativo, feito com os jovens e para os jovens, que seja prático e impactante, e não apenas uma lista extensa de medidas com pouca eficácia.

Do pacote das 14 medidas aprovadas em maio para os jovens, já é possível fazer um balanço até ao momento do seu impacto, nomeadamente, aquelas que respeitam à habitação?

No que diz respeito ao alojamento estudantil, até ao início de novembro tínhamos 255 camas ocupadas nas Pousadas de Juventude e unidades do INATEL. Além disso, através da linha de financiamento de 5,5 milhões de euros que disponibilizámos às Instituições de Ensino Superior para celebrarem protocolos de novas camas, temos já mais 622 camas contratadas e cerca de 230 em fase de contratação. Relativamente à habitação, até dia 6 de novembro, a isenção de IMT, imposto do selo e emolumentos já chegou a mais de 8.400 jovens. A Garantia Pública estará operacional até ao final do ano, e já aderiram 17 instituições de crédito. No mercado de arrendamento, o reforço que fizemos do programa “Porta 65” e a sua reformulação permitiu-nos que o número de candidaturas que recebemos entre setembro (o momento em que as novas regras entraram em vigor) e novembro, praticamente iguale as candidaturas que foram submetidas entre janeiro e agosto. No caso da saúde mental, os cheques-psicólogo e cheques-nutricionista estão também a ter uma ótima adesão. Até ao início de novembro, registaram-se 3.729 pedidos de cheques-psicólogo, dos quais 2.523 já foram atribuídos, e 2.811 pedidos de cheques-nutricionista, com 1.144 atribuídos. No caso do programa “Cuida-te”, vamos ter a contratação de mais profissionais de saúde também concluída em breve, o que permitirá reforçar ainda mais estas respostas.

Como avalia as condições que os jovens portugueses têm para iniciar uma carreira em Portugal com salários dignos e que não os obrigue a emigrar?

A realidade atual mostra que as condições para os jovens iniciarem uma carreira em Portugal com salários dignos ainda são insuficientes, e é precisamente por isso que o Governo está a realizar um esforço significativo para reverter esta tendência. Todos os anos, milhares de jovens portugueses emigram para países como Suíça, Luxemburgo, Países Baixos, Canadá, Dinamarca, Reino Unido, Bélgica, França, Alemanha e Espanha – que foram os 10 principais destinos dos emigrantes portugueses, em 2023. O que têm em comum todos estes países? Salários substancialmente mais elevados do que em Portugal. Acresce ainda que a carga fiscal sobre o salário médio em Portugal é de 28,6%, superior à verificada em seis dos dez países que referi. Mesmo nos países com carga fiscal mais elevada, o salário líquido recebido continua a ser muito superior ao praticado em Portugal. Esta é uma realidade que temos de transformar. Temos de criar as condições para que os jovens possam construir as suas carreiras e vidas em Portugal.

A solução do IRS Jovem por parte do seu Governo difere em quê da do PS, por exemplo, e que caminhos têm trilhado para evitar a emigração jovem?

A nossa proposta de IRS Jovem é significativamente mais abrangente e impactante do que a que está atualmente em vigor. Em primeiro lugar, corrige uma injustiça: a versão anterior restringia-se a jovens com níveis de qualificação mais elevados – o nosso IRS Jovem é para todos os jovens, independentemente das suas qualificações. Além disso, enquanto o modelo anterior limitava a isenção a 5 anos e até aos 30 anos, a nossa versão estende a duração para 10 anos e pode ser aplicada até aos 35 anos. Também aumentámos o limiar das isenções para 55 vezes o Indexante dos apoios sociais (IAS). Dou apenas um exemplo para percebermos a magnitude do que estamos a falar: um jovem que ganhe 1.000€, com o antigo IRS Jovem beneficiava de cerca de 3.800€ ao fim dos 5 anos, mas agora passará a poupar cerca de 7.300€ ao fim dos 10 anos – são quase mais 3.500€ de poupança adicional. É claro que esta medida, por si só, não resolve todos os desafios enfrentados pelos jovens. Por isso, apresentámos outras iniciativas, como as que já referi, e continuaremos a trabalhar em novas soluções. Contudo, esta é uma medida essencial para aumentar os rendimentos dos jovens e criar condições para que escolham construir o seu futuro em Portugal.

Criar condições para reter jovens 

Há a intenção de recuperar o programa ‘Regressar’ para atrair de novo jovens emigrantes que saíram de Portugal. Qual é a intenção do Governo e como se consegue convencê-los a regressar?

Sim, há a intenção de rever o programa ‘Regressar’, e, no momento certo, serão anunciadas as alterações que iremos implementar. Contudo, é importante destacar que a estratégia não pode ser apenas atrair os jovens que emigraram, mas também assegurar que criamos condições para reter aqueles que permaneceram em Portugal. As medidas que já adotámos têm precisamente esse duplo propósito: por um lado, garantir que os jovens que escolheram ficar têm acesso a oportunidades e condições para prosperar; por outro, atrair os que saíram e querem regressar.

Teve oportunidade, em 2024, de conjuntamente com a AJAP, visitar um projeto de empreendedorismo jovem em território rural, a Mainova, no Alentejo. Como olha para a realidade dos territórios rurais hoje em Portugal e quais as principais dificuldades que identifica?

Os territórios rurais em Portugal enfrentam desafios profundos, como o despovoamento, envelhecimento populacional, e o acesso limitado a serviços e infraestruturas. Estas dificuldades criam desigualdades económicas e sociais em relação às áreas urbanas. Além disso, os impactos das alterações climáticas intensificam os problemas ambientais, afetando tanto a vitalidade económica como a qualidade de vida das populações rurais. Para mudar este cenário, temos de implementar políticas que incentivem o desenvolvimento sustentável, promovam coesão territorial e reforcem a resiliência destas regiões. Projetos como o da Mainova, que tive a oportunidade de conhecer, são exemplos inspiradores do potencial que existe nos nossos territórios rurais.

O rejuvenescimento do setor agrícola em Portugal é um desafio permanente, sendo que temos um dos mais envelhecidos setores no contexto europeu. De que forma olha para esta situação e o que mais a preocupa?

O envelhecimento populacional no setor agrícola é um dos maiores desafios que enfrentamos. Em Portugal, os números são alarmantes: em 2016, para cada jovem agricultor com menos de 35 anos, havia mais de 27 agricultores com mais de 65 anos. Somos o país da UE com a população agrícola mais envelhecida, onde 51,9% dos agricultores têm mais de 65 anos, e apenas 4,2% das explorações agrícolas são geridas por agricultores com menos de 40 anos – o segundo pior resultado na União Europeia. Esta realidade preocupa-me profundamente, pois compromete o futuro da agricultura e a sustentabilidade das nossas zonas rurais. Temos de tornar o setor mais atrativo para os jovens, oferecendo condições que promovam a inovação, a modernização e uma maior segurança económica. Precisamos de criar um ambiente onde a agricultura seja vista como uma oportunidade de carreira viável, capaz de atrair o talento das novas gerações.

De que forma, na sua visão, é possível atrair mais jovens para o setor agrícola e mantê-los na atividade?

Temos de melhorar as condições existentes para que os jovens que ambicionam ingressar no setor agrícola tenham condições para tal. O Governo está a trabalhar nesse sentido, com medidas específicas que respondem aos principais desafios enfrentados pelos jovens que desejam ingressar no setor. Recentemente, o Ministro da Agricultura e Pescas anunciou que vamos ter um investimento de 200 milhões de euros numa linha de financiamento com taxa de juro zero nos primeiros cinco anos de instalação. Além disso, vamos aumentar para 50 mil euros o prémio à instalação de Jovens Agricultores que se dediquem em exclusividade e para 55 mil euros no caso dos jovens que se encontram em zonas vulneráveis. Estas medidas vão facilitar o acesso de Jovens Agricultores à terra, um dos principais entraves no acesso à profissão.

A figura do Jovem Empresário Rural (JER), que a AJAP tem defendido desde a sua criação, em 2019, continua por implementar. De que forma, considera que o JER pode ajudar a impulsionar o empreendedorismo e a fixação de jovens nos territórios rurais e que mais-valias lhe reconhece?

Os Jovens Empresários Rurais (JER) e os Jovens Agricultores são muito importantes para o desenvolvimento sustentável das áreas rurais. A figura do JER representa um importante estímulo ao empreendedorismo e à fixação de jovens nos territórios, respondendo à necessidade de atrair talento e dinamizar a economia rural. É muito importante conseguirmos atrair jovens para a agricultura. Fortalecer esta figura significa não só criar oportunidades para os jovens, mas também assegurar a sustentabilidade e o futuro das nossas áreas rurais.

Que impulso pode ter a nível governamental o JER (juntando a Agricultura em articulação com outras tutelas, como a Juventude, a Economia e a Coesão) e em que medida considera importante esta figura no contexto do desenvolvimento económico do País?

O Governo está empenhado em apoiar e incentivar o espírito empreendedor associado à figura do JER. Reconhecemos a importância de criar condições favoráveis para que cada vez mais jovens escolham o meio rural como lugar para viver, desenvolver as suas atividades profissionais e construir o seu projeto de vida.

Fotos: Mariana Valle Lima

Nota: Entrevista publicada na edição N.º 140 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.