Ecorregime do Bem-Estar Animal

O bem-estar animal tem vindo a assumir uma importância crescente no espaço da União Europeia e em Portugal.

Texto | Susana Guedes Pombo, Diretora-Geral da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV)

Trata-se de uma área complexa que requer fundamentação científica e técnica, abrangendo, contudo, também questões éticas, económicas, culturais, sociais, legais, religiosas e políticas.

Atualmente, a produção animal é essencial ao aprovisionamento alimentar e para a economia, mas levanta questões de ordem ética ligadas ao modo como devem ser tratados os animais. Promover o bem-estar dos animais é reconhecido como parte integrante da qualidade dos alimentos, com impacto direto na saúde e segurança dos alimentos. A garantia do bem-estar animal está, na maioria dos casos, associada a boas práticas de produção, transporte e abate, com reflexos positivos na saúde, crescimento e reprodução dos animais, contribuindo para a eficiência económica de toda a cadeia produtiva. A melhoria das condições de bem-estar animal também auxilia na prevenção de doenças e na redução do uso de antimicrobianos, um aspeto de grande relevância.

Os ecorregimes são um dos novos componentes introduzidos na Política Agrícola Comum (PAC) para reforçar a sustentabilidade da agricultura na União Europeia. Este conceito integra-se tanto no Pacto Ecológico Europeu (Green Deal) como no novo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) 2023-27, e visa incentivar práticas agrícolas que reduzam os impactos negativos no ambiente e no clima.

O objetivo principal dos ecorregimes é apoiar financeiramente os agricultores para que adotem métodos e técnicas agrícolas mais amigas do ambiente, promovendo modelos de produção que respeitam e protegem os recursos naturais, contribuindo assim para uma agricultura mais sustentável a longo prazo.

O Ecorregime de Bem-Estar Animal, estabelecido pela Portaria 54-E/2023, recompensa os produtores que adotem práticas que melhorem o bem-estar dos animais. Este regime foi desenvolvido com base nas prioridades nacionais e da União Europeia, procurando estabelecer ações que promovam o bem-estar animal e utilizando indicadores que permitam avaliar parâmetros relevantes e categorizar as condições das explorações.

Nos setores dos suínos e bovinos, os ecorregimes baseiam-se em protocolos de avaliação de bem-estar animal, com requisitos obrigatórios que obedecem à classificação da referida Portaria. No caso dos bovinos, é dada especial atenção a indicadores como a condição corporal, lesões, doenças, limpeza e claudicações, que refletem o impacto das condições estruturais e de maneio nas explorações. Estes critérios, em particular “lesões e doenças” e “claudicações”, devem ter uma classificação boa ou suficiente, dada a sua importância.

A presença de claudicações, por exemplo, pode resultar de condições inadequadas de alojamento e pavimentação, reforçando a importância da higiene e do maneio adequados.

Na produção de leite, a prática da descorna de vitelos é comum por questões de maneio. É essencial promover práticas que reduzam a dor e o sofrimento dos animais, restringindo a idade para a realização da descorna e exigindo supervisão veterinária com recurso a anestesia e analgesia. Incentivar a formação dos profissionais do setor é fundamental para divulgar e atualizar as melhores práticas.

No setor de bovinos de carne, são incluídas disposições para aumentar o espaço disponível por animal nas fases mais críticas do ciclo produtivo.

No Ecorregime de Bem-Estar dos suínos, os requisitos incluem aumento de espaço, parâmetros ambientais específicos, proporção de pavimento sólido, definição do espaço nos comedouros, uso de materiais manipuláveis, conforme indicado no anexo III da Portaria 54-E/2023, e restrições quanto ao corte de cauda, alinhando-se com a prioridade da União Europeia de reduzir essa prática. De realçar que em Portugal existe um plano de ação específico sobre esta matéria que pode ser consultado aqui.

Para além dos requisitos específicos, ambos os ecorregimes exigem formação dos detentores de animais e a adoção de procedimentos de occisão de emergência nas explorações. A capacitação técnica dos detentores é fundamental para assegurar o bem-estar animal, e a formação é essencial para o aprimoramento dos conhecimentos e competências necessários.

O suporte técnico e o aconselhamento aos produtores são cruciais para a melhoria contínua das explorações e para garantir a saúde e o bem-estar dos animais. A occisão de emergência permite evitar o sofrimento de animais gravemente feridos ou que completaram o seu ciclo produtivo e não estão aptos para o transporte. Os produtores devem implementar e registar procedimentos de occisão de emergência, dispondo de pessoal capacitado e dos recursos necessários.

Conclusões

O Ecorregime de Bem-Estar Animal não é apenas uma ferramenta de apoio aos produtores – é uma peça fundamental no caminho para uma produção animal mais ética, sustentável e eficiente. Ao incentivar as melhores práticas em áreas prioritárias, ele promove um impacto positivo em toda a cadeia produtiva, desde o bem-estar dos animais até à qualidade dos alimentos e à saúde pública. Este regime representa uma transformação na abordagem do bem-estar animal em Portugal e na União Europeia, posicionando-se como um compromisso sério com a sustentabilidade ambiental e com a responsabilidade social na produção. Ao investir no bem-estar dos animais, estamos também a investir no futuro da produção agrícola, na saúde da população e na proteção dos nossos ecossistemas.

Nota: Artigo publicado no Suplemento Bem-Estar Animal inserido na edição N.º 140 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.