As fontes de bioenergia representam já, em Portugal, 15% de todas as formas e origens da energia, importada ou proveniente de recursos renováveis, a que o País teve de recorrer para a satisfação das necessidades nacionais.
Texto: Jaime Braga | Secretário-Geral da APPB – Associação Portuguesa de Produtores de Bioenergia
Muito desta importância relativa é devida ao setor do papel e da pasta de papel e ao consumo tradicional de lenhas e os biocombustíveis trouxeram diversificação e um claro avanço no valor económico desta fileira, mas hoje é necessário ir ainda mais longe.
Existem três tipos de pressão que, conjugadas, estão a condicionar a agricultura e, com maior âmbito, todo o setor primário:
- A pressão crescente na substituição de combustíveis fósseis;
- A absoluta necessidade de redução de emissões na origem;
- A pressão dos mercados e da sua regulamentação, cada vez mais exigentes na redução da “pegada carbónica” dos produtos, designadamente na alimentação.
Tal como é habitualmente referido, cada ameaça está quase sempre associada uma oportunidade e, neste caso, essa afirmação é efetivamente verdadeira. Mas que oportunidade?
Portugal necessita de combustíveis renováveis, até porque a eletrificação não é a solução económica ou mesmo possível para muitos setores industriais.
O recurso a petróleo e seus derivados como combustível de aquecimento é hoje muito reduzido e dependemos sobretudo do gás natural. Constituído por mais de 85% de metano, é totalmente importado e, apesar da redução de emissões de gases de estufa que proporcionou, tem origem fóssil.
Com uma composição quase idêntica à do gás natural, o biometano não apresenta problemas de compatibilidade, nem para as redes de gás nem para os consumidores, quer domésticos, quer industriais e surge como o contributo disponível para a descarbonização.
Como é sabido, as origens do biometano são a pecuária (estrumes e chorumes), a agroindústria, a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos e as lamas das estações de tratamento das águas residuais, sendo que a contribuição da pecuária e da fileira agrícola – sobretudo no setor primário – é maioritária e determinante para o sucesso deste imperativo nacional de proteção climática.
Refira-se que, pelo aproveitamento destas matérias, até ao presente consideradas um custo, mas agora vistas como um recurso, se substituem importações de combustíveis fósseis diretamente, mas, também, se evitam significativas emissões de metano ou de dióxido de carbono por exposição não controlada de resíduos agrícolas e efluentes pecuários.
O setor primário, agrícola e pecuário, está, portanto, no centro de um dos mais importantes temas da transição energética, até pela óbvia maturidade tecnológica da produção de biometano.
O Plano de Ação para o Biometano 2024-2040 prevê que cerca de 20% dos consumos de gás possam ser satisfeitos por biometano.
Acreditamos, no entanto, que esta estimativa irá ser excedida e isso porque está a nascer um novo eixo industrial. O setor da energia está a trabalhar para que o gás, mais descarbonizado, chegue de modo competitivo aos consumidores, mas tal não será útil sem a preparação e a intervenção do seu setor primário que é o “dono” do início e do final deste novo mercado. E muitos são os assuntos a tratar, as barreiras a remover e as cadeias de valor a criar.
Assuntos a tratar
- Agregação de produtores;
- Só a escala permite valorização;
- Seleção técnica e prevista oficialmente das matérias que podem ser usadas;
- Criação de condições de armazenamento de curta duração e de uma logística eficiente produtor//fábrica.
Barreiras a remover
- Prioridades desatualizadas na gestão de resíduos;
- Ausência de especificações regulamentares para o “digerido”.
Cadeias de valor
- Resíduo é recurso e será produto na fase seguinte.
O valor desta transformação será, sobretudo, prever-se um crédito por “emissões negativas”. O valor das matérias-primas terá de ser negociado caso a caso em função das valorizações em causa.
Em síntese, espera-nos uma tarefa gigante e que envolve também o setor agrícola, mas a oportunidade é demasiado boa para ser ignorada.
Pelo lado da APPB – Associação Portuguesa de Produtores de Bioenergia, em representação dos produtores, o foco no cumprimento deste objetivo será total.
Nota: artigo publicado no suplemento Agricultura Circular n.º 139, incluído na Revista Jovens Agricultores. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.