A energia fotovoltaica ao serviço do regadio

Artigo da DGADR – Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural

Autores: Luís Sá, Cláudia Brandão, Isabel Loureiro

Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural | Direção de Serviços do Regadio

Enquadramento

O consumo de energia elétrica tem crescido no regadio, face ao desenvolvimento de sistemas de fornecimento de água em pressão, sistemas com melhores eficiências hídricas, o que obriga a medidas estratégicas e tecnológicas adequadas de gestão e transição energética.

De facto, e de uma forma geral, em cerca de 60 anos o consumo anual de energia elétrica das explorações agrícolas cresceu de 200 kWh/ha para cerca de 1700 kWh/ha. Nesse período o consumo anual unitário de água no regadio desceu de 15000 m3/ha para um valor atual de aproximadamente 5600 m3/ha, ou seja, a uma evolução do consumo unitário (dotação de rega média) diferente do comportamento na área energética, sendo esta situação agravada pelo inflacionar do custo de compra do quilowatt hora.

O aumento dos custos associados ao consumo de energia na rega fez com os mesmos atualmente representem mais de 50% dos custos totais de produção. Este facto faz com que potenciais projetos de instalações fotovoltaicas de bombagem na área do regadio possam conduzir a poupanças significativas.

Projetos emblemáticos

Na área do regadio, e no âmbito do projeto MASLOWATEN[1], um exemplo prático de instalação agrovoltaica vem do lado de lá da fronteira. Trata-se de uma instalação em Alicante, com finalidade “agrícola”, que dá apoio a uma captação dos Regantes do Alto del Vinalopó. O sistema utiliza energia produzida pelos painéis solares (360 kWp), alimentando uma bomba de 250 kW cujo caudal atinge os 226 m3/h. O sistema eleva a água a 12 m, tendo como destino uma pequena barragem.   Ocorre o arranque da bomba quando a potência fotovoltaica atinge 160 kW – radiância atinge 600W/m2 – e há paragem quando a potência é menor a 130 kW.e a frequência de funcionamento da bomba cai para 38 Hz por mais de um minuto.

O projeto conta ainda com uma unidade de controlo externo e a bomba submersível de 250 kW que capta água diariamente um caudal máximo de 226 m3/h, gerando a jusante uma pressão de 12 m (1,2 bar).

Os dados de consumo da bomba, da água bombeada e do orçamento da instalação são:

  • Volume anual de água bombeada: 633.000 m3.
  • Horas de funcionamento por ano com vazão nominal da bomba: 2.706 h.
  • Energia anual necessária: 688.025 kWh.
  • Custo de instalação: 433.800€.

Com estes valores, calculou-se o Período de Retorno do Investimento (PRI), ou seja, os anos necessários para recuperar o dinheiro investido na referida instalação. Considerando, como exemplo, que o preço de eletricidade a fornecer pelo operador aos regantes seja de 0,15€/kWh, temos:

  • PRI = Custo de Instalação / (Energia anual gasta x Preço kWh) = 433 800 / (0.15 X 688 025) = 4,2 anos

Esta análise não é abrangente, mas evidencia a viabilidade económica deste tipo de instalações.

Ainda no âmbito do projeto MASLOWATEN, em Portugal foi acomodado um sistema piloto na Herdade de S. Barnabé e Vale de Canelas do grupo Elaia, em Alter do Chão. Aí foi instalado um sistema de rega híbrido fotovoltaica-diesel, com uma potência de 140 kWp, para uma cultura de 200 ha de olival, através de rega gota-a-gota.

Em Portugal

Em Portugal, ainda no âmbito do projeto MASLOWATEN, foi acomodado um sistema piloto na Herdade de S. Barnabé e Vale de Canelas do grupo Elaia, em Alter do Chão (figura 4). Aí foi instalado um sistema de rega híbrido fotovoltaica-diesel, com uma potência de 140 kWp, para uma cultura de 200 ha de olival, através de rega gota-a-gota. O objetivo foi aproveitar ao máximo o fornecimento fotovoltaico, permitindo bombear quase 11 horas com o fotovoltaico e as restantes 3 horas com apoio de um gerador diesel. Num âmbito mais transversal, em Portugal é de notar que nesta área, o PRI normalmente situa-se em patamares mais elevados. Num quadro simplificado de análise económica, com amortizações constantes e sem contabilizar inflação ou juros, verifica se um PRI de 10 a 15 anos.

Investimentos nacionais

Ainda no nosso país, desenvolvimentos práticos têm vindo a ocorrer desde 2021, em especial na região Alentejo onde a Federação Nacional de Regantes de Portugal e a Associação de Beneficiários do Roxo criaram a primeira Comunidade de Energia Renovável na área agrícola. Nesse âmbito, o projeto-piloto que está a ser desenvolvido no aproveitamento hidroagrícola do Roxo, passa pela “ampliação” da central fotovoltaica que a associação instalou em 2018.

De modo a aumentar a sustentabilidade energética dos Aproveitamentos Hidroagrícolas, através da produção de energia de fonte renovável, no caso em apreço, energia solar fotovoltaica, a AGPDR veio a proceder à abertura de dois anúncios, destinados, à aquisição e instalação de painéis fotovoltaicos e respetivas estruturas de fixação, em aproveitamentos hidroagrícolas, tendo a dotação orçamental total rondado os 20 milhões de euros com um apoio de 70%.

Coube à DGADR, enquanto entidade concedente da gestão dos Aproveitamentos Hidroagrícolas (AH), declarar o seu parecer ao investimento proposto tendo, para o efeito, emitido 27 declarações favoráveis. Em termos de distribuição por zonas, cabe ao Alentejo a dianteira com 18 projetos, dos quais metade são da EDIA, onde se inclui a construção de cinco centrais fotovoltaicas flutuantes, num investimento superior a 4,3 M€.

Considerações finais

A dupla utilização da terra para a agricultura e a energia alivia a pressão sobre os ecossistemas e a biodiversidade, que são afetados quando as áreas de cultivo são expandidas. De facto, estudos estimam que a eletricidade gerada por painéis solares aumenta o valor económico das explorações agrícolas em mais de 30%, melhorando a eficiência e o rendimento da terra. Fator limitante pode ser a localização. Há latitudes onde a agrofotovoltaica perde competitividade, já que em áreas menos quentes, onde a energia solar não é igualmente intensa ao longo do ano, a rentabilidade sofre. Outros pontos a atender são o seu impacto paisagístico e o elevado investimento inicial que exige, embora possa diminuir se cofinanciado.

No regadio coletivo nacional há muitos e bons exemplos de eficiência hídrica e o setor está a iniciar o caminho para a eficiência energética e a descarbonização através da utilização de energias limpas. Este é um percurso que necessariamente deverá ser continuado e a ser incentivado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Barata Carrelo, I.A., Hogan Teves de Almeida, R., Narvarte Fernández, L. Carrasco Moreno, L.M., & Martínez Moreno, F. (2018). Viabilidade técnica de dois sistemas de irrigação fotovoltaica de alta potência em Espanha.
  • Ledesma, J.R., Almeida, R.H., &Narvarte, L. (2022). Modeling and Simulation of Multipumping Photovoltaic Irrigation Systems. Sustainability, 14 (15), 9318.
  • González-Eguino, M., Arto, l., Rodriguez-Zuñiga, A., García-Muros, X., Sampedro, J., Kratena, K., …& Sanz-Sánchez, M.J. (2020). Análisis de impacto del Plan Nacional Integrado de Energía y Clima PNIEC 2021-2030 de España.
  • Hogan Teves Almeida, R., Barata Carneiro, l. A., Narvarte Fernández, L., Fernández Ramos, J., Martínez Moreno, F., & Carrasco Moreno, L.M. (2018). Main final results of MASLOWATEN-the H2020 project for market uptake of large power PV irrigation systems.
  • Adeh, E.H., Good, S.P., Calaf, m., & Higgins, C.W. (2019). Solar PV power potential is greatest over croplands. Scientific reports, 9(1), 11442.

[1] Projeto financiado pelo programa europeu ”Horizonte 2020”, tendo a Universidade de Évora, a Martifer e a ELAIA como parceiros portugueses

Nota: artigo publicado no Suplemento dedicado à Transição Energética na Agricultura, na edição n.º 135 – Revista Jovens Agricultores da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.