No passado dia 23 de abril, o Parlamento Europeu aprovou o conjunto de propostas[1] da Comissão Europeia, com as alterações propostas pelo Conselho Europeu, para a simplificação e flexibilização de alguns princípios da PAC. As alterações em causa visam essencialmente dotar os Estados-membros de uma maior flexibilidade na aplicação de algumas das normas de condicionalidade ambiental, bem como a simplificação de algumas normas administrativas de controlo sobre as explorações com menos de 10 hectares.
Texto: Francisco Gomes da Silva | Professor do ISA, Diretor Geral da AGROGES e Agricultor
Esta recente decisão (e outras que poderão ainda seguir-se) vem culminar num processo despoletado por importantes movimentos de protesto de agricultores um pouco por toda a Europa, e Portugal não foi exceção. A resposta da generalidade dos Governos nacionais e das instituições Europeias foi a que todos conhecemos: reconhecer que a PAC recém transposta para os Planos Nacionais (os PEPAC’s de cada país) era demasiado complexa e burocrática, que não dispunha de flexibilidade suficiente para responder a situações extremas (nomeadamente a fenómenos climáticos extremos) e que algumas das exigências ou condições ambientais e de clima impostas ou não se justificavam ou não eram suficientemente apoiadas do ponto de vista financeiro.
De tudo isto, passada a espuma dos dias, o que verdadeiramente terá ficado na opinião pública (muito alimentada pelos movimentos ambientalistas) foi a perigosa e falsa ideia de que os agricultores “não queriam cumprir com as regras ambientais” e que “as instituições comunitárias e os Governos nacionais tinham cedido em toda a linha”. Ou seja, que a PAC, por exigência dos agricultores, “deixaria de ser verde”, cilindrando as orientações comunitárias consubstanciadas no Pacto Ecológico Europeu e num vasto conjunto de normas e diplomas que dele decorrem, nomeadamente nos Regulamentos da própria PAC.
Como referi, tal ideia, para além de falsa é perigosa. É falsa, porque foram mínimas as alterações aprovadas, alterações essas que se traduzem essencialmente na possibilidade de ser utilizado algum bom-senso na aplicação de certas normas da condicionalidade. É perigosa, porque se continuar a ganhar terreno junto da opinião pública, as instituições europeias e os Governos nacionais não tardarão a encontrar compensações que, inevitavelmente, cairão sobre os agricultores e produtores florestais. Ou seja, nestas matérias, a Europa dá claramente a ideia de estar “em cima do muro”, ajustando “o tom de verde” da sua política às maiores ou menores pressões da sociedade.
Não tenho dúvidas de que o caminho que a agricultura tem feito e mostrado nos últimos anos, na procura de soluções de produção mais sustentáveis e mais centradas na boa gestão dos recursos, é o caminho a prosseguir. Não tenho também dúvidas de que os agricultores, sempre que esclarecidos, são os primeiros interessados em prosseguir tal caminho. As minhas dúvidas maiores colocam-se em relação à capacidade que a sociedade, representada pelos Governos nacionais e pelas Instituições europeias, terá para perceber que uma parte das exigências que faz são claramente desequilibradas e que outras, para serem cumpridas, exigem uma adequada remuneração para os agentes que as colocam em prática (agricultores e produtores florestais) através de políticas públicas simples e bem orientadas.
Finalmente, comungo de um outro receio bem maior: o de que as florestas, nomeadamente em Portugal, sejam cada vez mais o parente pobre de todo este quadro regulatório, recaindo sobre elas todas as exigências menos equilibradas que a sociedade venha a fazer em matéria ambiental, ao mesmo tempo que vão sendo arredadas dos apoios públicos que as poderiam tornar parte da solução para os desafios ambientais e climáticos. Não só o peso e a complexidade regulatória (europeia e nacional) que atinge a floresta é cada vez mais um estímulo à inação e ao abandono, como os diversos mecanismos que vão sendo criados para servirem de base à remuneração de alguns dos bens públicos pelos quais a floresta pode ser responsável (hoje mais conhecidos por “serviços dos ecossistemas”) têm a explícita preocupação de excluir do seu âmbito a floresta que temos, e aponta baterias para uma floresta dos contos de fadas que claramente não existe no nosso país. Um bom exemplo disso mesmo é a recente resolução legislativa do Parlamento Europeu (aprovada no dia 10 de abril) para a criação de um “Quadro de certificação da União relativo às remoções de carbono”[2], do qual se pretendem excluir à priori as florestas plantadas com o objetivo de produção (no texto designadas por monoculturas florestais). Porque não removem carbono? Não. Porque não encaixam no conceito de florestas de conto de fadas.
[1] https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-8088-2024-INIT/en/pdf
[2] https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20240408IPR20306/remocoes-de-carbono-eurodeputados-adotam-sistema-europeu-de-certificacao
Nota: artigo publicado no Suplemento N.º 138 – Agricultura Verde, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.