André de Oliveira e Silva, 34 anos, é um Jovem Agricultor, produtor de vacas de leite, no concelho de Vila do Conde. Foi desde muito cedo que nasceu a paixão por este setor, fruto do legado familiar de décadas na pecuária. Apesar das dificuldades inerentes e diárias, encara o futuro com otimismo, tendo como ambição rentabilizar (ainda mais) a sua exploração agrícola, incorporando cada vez mais robótica, digitalização e aproveitando as energias renováveis. O também Vice-Presidente da AJAP – Associação dos Jovens Agricultores de Portugal realça ainda a necessidade da valorização do setor.
Nasceu em Macieira da Maia, concelho de Vila do Conde, em 1989, e num contexto marcadamente agrícola. Os pais, técnicos agrícolas, conjugavam a produção de flores com a criação de ovelhas, cabras e vacas minhotas. Os avós eram produtores de leite de vaca, em Mindelo, numa exploração leiteira que começou nos anos 40/50 do século XX e que o tio de André Silva encerrou quando ele tinha 15 anos.
É neste contexto familiar que começa a história do Jovem Agricultor. “A minha paixão pela agricultura e pelas vacas de leite vem daí, sempre quis ser produtor de leite de vaca”, refere.
Aos 16 anos frequentava um curso técnico de agro-pecuária e convenceu os pais a comprar, em leilão, na Estação de Laticínios de Paços de Ferreira, um lote de uma dúzia de novilhas de raça frísia, que André cuidava no intervalo das aulas. E, no ano seguinte, convenceu o pai a alugar uma exploração na freguesia do Muro, concelho da Trofa, com 35 vacas, “que compramos e começamos aí a produzir leite, em nome do meu pai, mas todo o trabalho assegurado por mim”.
“No ano seguinte, logo que fiz 18 anos, apresentei um projeto de Jovem Agricultor e iniciamos a construção de uma vacaria para 50 vacas”, explica André, adiantando que em 2018 apresentou um segundo projeto, aumentando para o dobro da área e para o dobro dos animais em ordenha.
O Jovem Agricultor confessa que nunca pensou enfrentar “tanta dificuldade, tanta burocracia, tantas crises”. “Penso que não estou errado se disser que fui o único a criar, neste século, uma exploração leiteira, a partir do zero, na região de Entre Douro e Minho. Outros Jovens se instalaram mas continuando e melhorando as explorações dos pais. Iniciar e criar uma exploração leiteira é, como alguém já disse, a mesma coisa que instalar uma indústria pesada. Tal é o dispêndio de dinheiro e de energia gasto”, afiança.
Admite que tem “passado anos difíceis, de muitas horas de trabalho diário e muitas dificuldades, mas com a paixão pelo que faço e com o apoio da minha família, continuo a acreditar que este setor tem futuro”.
A vida e o dia-a-dia numa exploração agrícola depende, entre muitos fatores, sempre da estação do ano. Por norma, acorda às 5h30 da manhã. No verão (época em que falámos com André), há muito milho para regar em propriedades muito dispersas. “Começo o dia a ligar os diversos motores de rega, pelas 8 da manhã regresso à vacaria para fazer um unifeed para as vacas de leite e outro para as novilhas e vacas secas. Depois de distribuir a alimentação, ajudo a minha mãe, que entretanto ordenhou as vacas e alimentou os vitelos”, prossegue.
De seguida, cuida de algum animal doente, faz a inseminação das vacas ou novilhas em cio e os registos das ocorrências do dia-a-dia. Se houver partos, assiste e auxilia. Diariamente, também é preciso fazer a higienização das instalações, limpar e armazenar chorumes e estrumes para colocar nas terras na altura das sementeiras. Normalmente, uma manhã por semana é dedicada a cuidar das patas dos animais, um dia por mês para acompanhar a veterinária no diagnóstico de gestação e registo, vacinações e outros.
A par de toda esta intensa jornada ainda sacha e aduba os milhos antes de iniciar as regas. Mas, refere, “nem sempre é assim, este ano, por exemplo, tive que regar para o milho nascer, devido à seca”.
O leite produzido na exploração é escoado através de uma Organização de Produtores (OP), recolhido pela Agros e entregue na Lactogal.
“Os últimos anos têm sido muito duros”
Sobre as dificuldades do setor, André Silva não tem dúvidas, “estes últimos anos têm sido muito duros, com condições metereológicas muito adversas, principalmente nos últimos dois anos, 2022 e 2023, com episódios de seca em alturas cruciais para o desenvolvimento das ervas e dos milhos, deixando um rasto de fome nos pastos e nas searas, obrigando os produtores a reduzir o número de animais ou mesmo abatendo os efetivos para não se endividarem ainda mais a comprar alimentação caríssima devido à escassez”.
“A palha, por exemplo, duplicou o seu preço. Devido à guerra na Ucrânia tinham subido bastante as matérias-primas para a alimentação animal, os adubos, a energia, e de uma forma geral todos os fatores de produção. Conseguimos equilibrar com algum aumento dos preços dos produtos que produzimos. Mas, nos últimos dois meses, tivemos um revés brutal, no caso do leite, com uma descida de oito cêntimos por litro, a que nem a ajuda financeira dada pelo Ministério da Agricultura para mitigar as nossas dificuldades foi suficiente”, acrescenta o produtor.
Além disso, adianta, “a pressão imposta para que se baixem os preços dos produtos de primeira necessidade, cai sempre sobre os mesmos: os produtores. Os outros elos da cadeia alimentar são mais fortes, não cedem e continuam cada vez a ganhar mais”.
André reconhece que tem havido alguns apoios, “mas a necessidade que temos de investir em edifícios e equipamentos para nos adaptarmos às exigências de bem-estar animal e ao crescente postulado ambiental, condicionam-nos a gestão da exploração. Uma das últimas exigências, proteção contra incêndios na agricultura, requer investimento, formação atualizada de 3 em 3 anos, etc.”, frisa.
Para fortalecer a pecuária nacional, sublinha André Silva, “precisávamos que há 30 ou 40 anos atrás os nossos pais e avós tivessem criado um grupo de distribuição. O setor cooperativo agrícola onde se inclui o Crédito Agrícola tiveram tantas possibilidades de o criar, não o fizeram e agora será difícil”.
O setor agrícola ainda é um setor envelhecido em Portugal. E, em jeito de mensagem final, André Silva afirma que “o setor agrícola é e continuará a ser, por muito tempo, um setor envelhecido. Cada vez ficam menos na agricultura e os que chegam rapidamente se apercebem que não era bem isto que queriam. Trabalhar exposto às condições climáticas de hoje, ‘sem rede’ que nos proteja, sufocados pela indústria, pelas grandes superfícies e pelos Governos, que tentam controlar os preços dos alimentos, não permitindo que a lei da oferta e da procura impere e faça os preços, levam-nos à ruína”.
“Para os que pensam em instalar-se no setor, o que lhes digo é que pensem muito bem, que queiram mesmo, porque este setor económico que produz bens essenciais de primeira necessidade para as pessoas, não é olhado, nem considerado pela sociedade dessa forma”, considera.
Por fim, o Jovem Agricultor antecipa o que gostava de ver no futuro: “atingir a dimensão que planeei como necessária para rentabilizar os equipamentos adquiridos e os investimentos realizados, robotizar, digitalizar o mais que puder e fazer uso das energias alternativas. Em suma, pretendo ter uma exploração agro-pecuária mais sustentável e menos dependente de compras de alimentos para os animais”.
Nota: reportagem publicada na edição n.º 135 – Revista Jovens Agricultores da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.