Pedro Rei: o Jovem Agricultor que cumpre o destino a partir de Trás-os-Montes

Com origens familiares em Trás-os-Montes, cedo percebeu que não era numa grande cidade nem fechado entre quatro paredes que estaria o seu destino. Pedro Rei, Jovem Agricultor, trabalha a terra em Alfândega da Fé, em concreto a cultura do olival e a exploração de cortiça. O também Presidente da AJAP avalia o estado atual da Agricultura portuguesa e não tem dúvidas: “a transição geracional no setor é a melhor aposta para combater a desertificação e o êxodo das zonas rurais”.

“A atual geração de jovens trata-se da geração mais bem formada do País”, diz Pedro Rei, Presidente da AJAP.

Gostaria de começar pelo seu percurso de vida, académico e como chega ao setor agrícola.

Quando concluí o Ensino Secundário não tinha uma perspetiva clara do que seria o meu futuro. Ingressei num curso de Engenharia e foi aí que percebi que não iria encontrar a minha felicidade no meio de uma cidade grande ou no interior de um edifício de escritórios. Decidi regressar às origens para procurar o meu o lugar no mundo. A minha família é transmontana e, como qualquer família de Trás-os-Montes tem inerente o convívio familiar à prática agrícola. Assim, o tempo passado em casa, tornou o rumo claro e o futuro mais certo.

Fale-me um pouco da sua exploração e a que se dedica.

A nossa exploração encontra-se numa aldeia do concelho de Alfandega da Fé, à data atual, somente agrícola que praticamos de acordo com as normas da produção biológica. Dedicamo-nos à cultura do olival e exploração de cortiça.

Onde se posiciona hoje a empresa no mercado nacional e que perspetivas futuras tem?

Somos uma micro-empresa de cariz familiar. Posso caraterizá-la como a típica exploração transmontana, passada de pais para filhos. Atualmente procuramos expandir em termos de área de plantação e diversificar culturas produzidas de forma a não estar tão expostos às alterações climáticas e procurar assim um melhor equilíbrio de rendimentos.

Sendo um Jovem Agricultor e, na qualidade de Presidente da AJAP, como vê atualmente o setor agrícola em Portugal?

A agricultura portuguesa tem vindo a modernizar-se e a especializar-se em diversas culturas, resultado do aproveitamento dos vários quadros de apoios comunitário e da resiliência dos agricultores. De um ponto de vista a médio e longo prazo, verificamos que a transição geracional não tem ocorrido conforme o expectável. O setor apresenta uma média de idades muito elevada e com uma taxa de reposição muito abaixo do necessário. Constatamos que o abandono da atividade tem um impacto sério no despovoamento das zonas rurais, o que leva à degradação de todos os outros setores, por arrasto, nestes meios.

Que desafios e entraves existem e são atualmente para si os mais prementes?

O problema dos agricultores são, de uma forma geral, os mesmos de sempre. O papel principal dos agricultores é a sua produção de bens alimentares de que todos nós gozamos. Por este motivo, a atividade tem obrigatoriamente de ser rentável para quem a executa. Os ciclos económicos no setor agropecuário são anuais ou bianuais, dependentes de diversos fatores ambientais e elevados investimentos de capitais nas explorações com uma imprevisibilidade dos rendimentos da exploração que se traduz num risco moderado. Requer um grau elevado de disciplina financeira e capitais próprios. Por este motivo exige-se que a atividade seja bem remunerada face ao risco inerente. É necessária a criação de mecanismos de compensação com os seguros de colheitas com valores mais acessíveis e disponíveis para as principais culturas praticadas. A recente inflação associada ao aumento do salário mínimo nacional por via de decreto é também uma preocupação. Uma vez que as explorações de menor dimensão podem não ter capacidade de acarretar com o choque de custos iniciais. Por consequência, levar à perda de rentabilidade ou degradação das condições de vida desses empresários. É fulcral a organização das produções por via das organizações de produtores ou estruturas associativas e a valorização de produtos endógenos de qualidade superlativa no mercado nacional e internacional. A criação de infraestruturas que permitam melhor exercício da atividade agrícola, o desenvolvimento de novas zonas de regadio para ajudar a combater as alterações climáticas e o melhoramento de acessos são necessários e estratégicos. A transição geracional no setor é a melhor aposta para combater a desertificação e o êxodo das zonas rurais. A criação de políticas e fiscalidade de discriminação positiva às populações residentes desses territórios é um fator que os próximos Governos devem considerar.

“Na AJAP defendemos o mundo rural e o que é de todos”

Quanto aos Jovens Agricultores, que impulsos vê atualmente quando abraçam o setor? E quais são os maiores entraves, sobretudo quando temos há anos o problema do envelhecimento do setor.

A atual geração de jovens trata-se da geração mais bem formada do País. Houve um salto tecnológico enorme em todas as áreas que cada vez dita a eficiência da produção de uma exploração. Porém, constatamos que nos dias de hoje, a carga fiscal excessiva aliada à baixa taxa de poupança do País muitas vezes não permitem os investimentos em novas tecnologias. Acredito numa política fiscal para o setor não direcionada ao consumo, mas sim à poupança. Só assim é possível reinvestir, inovar para futuramente capitalizar. A morosidade burocrática quer na aprovação de candidaturas ou falta de interligação das múltiplas entidades estatais são desanimadoras e esmorece o ímpeto dos jovens. A falta de resposta célere e atempada compromete a produtividade das explorações face à competição de outros colegas em países com apetência agrícola similar.

O olival é uma das culturas a que se dedica Pedro Rei em Alfândega da Fé.

O trabalho da AJAP tem sido essencial nesta matéria. Na sua opinião, o que gostaria de sublinhar no trabalho da associação?

A AJAP tem procurado trilhar o seu percurso ao lado de todos os agricultores. Ressalvo o nosso papel na vulgarização do conhecimento e novas práticas culturais por via da formação profissional e aconselhamento técnico, quer na elaboração de projetos e o seu acompanhamento por parte dos técnicos da organização. Contudo, o setor neste momento antevê dias difíceis, numa perspetiva imediata, pelos acordos de exceção celebrados pela União Europeia onde a concorrência de produtos provenientes de fora do mercado comunitário é desleal pelos aos métodos e práticas agrícolas mais flexíveis ou prejudiciais do meio ambiente realizadas nesses países.

O que o motivou a ser Presidente da AJAP e que balanço faz até agora deste percurso? Que mensagem gostava de deixar ao setor?

Sempre fui voluntário e orientado para as causas. Por reconhecer também este sentido de missão na AJAP senti-me atraído para os desafios que a organização se propõe. Procuramos melhorar as condições de vida de todos, agricultores e consumidores, e estabelecer o equilíbrio entre ambos.  Na AJAP defendemos o mundo rural, defendemos o que é de todos. Somos realistas quanto ao seu papel e a sua utilidade para a toda a comunidade. Hoje, o nosso compromisso é mais difícil não nos basta direcionar o discurso para dentro, para nós, os agricultores. Hoje, é imperativo sensibilizar a opinião pública e os agentes políticos para as necessidades que temos. Trazer o mundo rural à discussão e tornar este tema como ponto de agenda do País é inevitável, pois trata-se do bem comum de todos nós.

Nota: entrevista publicada na edição n.º 137 da Revista ‘Jovens Agricultores’, da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.