A gestão sustentável dos recursos hídricos é cada vez mais um desafio permanente. Por um lado, devido ao impacto das alterações climáticas nas culturas e que, aliado ao crescimento da população, provoca uma pressão nos recursos hídricos através de um aumento da procura de água para a satisfação das necessidades de uma população em crescimento.
O nosso país tem sido alvo de eventos climáticos extremos nos últimos anos, com temperaturas acima da média e valores de precipitação muito baixos, tornando cada vez mais difícil a prática da agricultura sob estas condições. A adaptação e a mitigação são urgências cada vez mais no topo das prioridades dos Governos, entidades públicas, empresas e agricultores. E é já um problema do presente que, caso nada seja feito, afetará muito rapidamente as gerações vindouras.
Numa projeção para 2040, o World Resources Institute, classifica Portugal com risco elevado de stress hídrico. Neste contexto, a irrigação desempenha um papel essencial no setor agrícola. É inegável o benefício da agricultura de regadio em termos de produção e rendimento, mas existem impactos com custos que podem superar os benefícios da produção.
Há muito que os avisos aí estão: os países têm de se preparar para cenários de escassez nas próximas décadas. E temos precisamente assistido ao aumento tendencial das necessidades hídricas das culturas para reposição do déficit hídrico crescente e à redução das afluências que alimentam as barragens e aquíferos subterrâneos existentes em Portugal. Estes fatores conduzem à necessidade de aumentar a eficiência do uso dos recursos hídricos disponíveis e, por outro, aumentar as capacidades de armazenamento.
Os desafios
De acordo com o estudo ‘O uso da água em Portugal: olhar, compreender e atuar com os protagonistas-chave’, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian e desenvolvido pelo C-Lab – The Consumer Intelligence Lab (2020), a Agricultura, grande utilizador de água, tem desafios pela frente. Entre eles, destacam-se:
⌂ Medir: um desafio crítico para se ser eficiente
A rega revela-se indispensável à produtividade e competitividade da Agricultura. O movimento para a adoção de sistemas de rega mais eficientes está a fazer-se – 65% dos agricultores inquiridos no estudo da Gulbenkian já adotaram sistemas localizados de rega gota-a-gota. Mas ainda há uma grande maioria – 71% – que não tem contador de água. Assim, neste contexto, a adoção de equipamentos de precisão e a otimização da rega (sondas, por exemplo) são ferramentas que ajudam a rentabilizar o uso de água, com poupanças hídricas significativas.
⌂ Diferentes perfis de agricultores necessitam de diferentes abordagens de mobilização
Numa agricultura marcadamente heterogénea, o agricultor é ele próprio agente de diversidade. Apesar da relevância de uma nova geração de agricultores, o setor agrícola ainda é muito definido pela tradição e por práticas enraizadas – 93% produz as mesmas culturas há muitos anos, lê-se no estudo. A tecnologia é um dos pontos mais destacados para a eficiência na gestão hídrica.
⌂ Novas tecnologias, com mais capacitação e partilha de experiências
Numa era AgriTech, a tecnologia aponta a uma agricultura de precisão que exige capacitação. Mais do que uma questão de idade, o esforço é, acima de tudo, de conhecimento: compreender e saber trabalhar uma atividade que beneficia cada vez mais da tecnologia e que exige fazer diferente. Segundo o estudo, consultores técnicos, Organizações de Produtores e agricultores têm um papel decisivo nessa capacitação que exige formação e demonstração.
⌂ Grande Distribuição e Indústria Agroalimentar: criar standards como indutor de mudança
Numa perspetiva de sustentabilidade da agricultura, o uso eficiente de água tem de se constituir como novo standard nas práticas de rega. Um esforço que não se resume aos agricultores, mas a toda a cadeia de valor. A jusante, a Grande Distribuição e a Indústria Agroalimentar têm um papel essencial na aceleração da transformação pró eficiência hídrica – 98% dos agricultores operam no mercado nacional.
Introduzir a água enquanto exigência aos fornecedores é um desafio necessário. No caso dos frutos, por exemplo, 78% do que se consome em Portugal é produção local, pelo que gerir melhor a água é, também, gerir o risco de falhas no abastecimento. Contudo, indica o estudo, criar um standard de uso eficiente de água nos produtos alimentares nacionais exige considerar tempo e investimento no processo de mudança. Avaliar a situação atual dos agricultores, definir etapas e metas para um processo de transformação surge como um caminho necessário para estabelecer o uso eficiente de água nos produtos agrícolas a curto/médio prazo. Iniciativas noutras geografias já apontam caminhos para esse processo.
Nota: Artigo publicado no dossier Irrigação e Recursos Hídricos, na edição n.º 136 da Revista Jovens Agricultores. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.