O ministro da Agricultura e Pescas afirma ser vital o aumento do rendimento dos agricultores, promover a renovação geracional, assegurar estabilidade e previsibilidade e proceder à simplificação de regras e procedimentos. “Para este Governo, a agricultura é estratégica e estruturante para Portugal”, sublinha. José Manuel Fernandes antecipa os benefícios da necessária reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) e aborda os desafios da Agricultura nacional, em particular, o rejuvenescimento do setor. “É urgente e é nossa obrigação conseguir uma agricultura competitiva, sustentável e que contribua para a coesão social e territorial”, defende.
Qual o balanço que faz do seu mandato até agora, tendo em conta as insatisfações dos agricultores na altura em que tomou posse?
Ao longo de mais de cem dias de governação, o meu ministério já fez mais de 100 visitas ao terreno. Estamos determinados em retomar os laços, que durante anos estiveram quebrados, com agricultores, produtores florestais e pescadores. Nestes mais de três meses de trabalho, estivemos no terreno para ouvir, para melhor decidir e estamos a valorizar o setor. Apesar de ter encontrado muito descontentamento, fruto de anos de abandono, também constato a competência, coragem e resiliência dos nossos agricultores. Temos como objetivo aumentar o rendimento dos agricultores, promover a renovação geracional, assegurar estabilidade e previsibilidade e proceder à simplificação de regras e procedimentos. Estamos a dar confiança e motivação aos nossos agricultores. Através de uma simples portaria ficaram isentas de controlo e sanções administrativas a título da condicionalidade os agricultores que possuem menos de 10 hectares. Para além disso, todos os agricultores passaram a ter flexibilidade nas regras de pousio e rotação. Acresce que no caso de intempéries os agricultores que não consigam cumprir as normas agroambientais não serão penalizados. Avançamos para o pagamento contra fatura em duas medidas destinadas aos grupos de ação local, estamos a alargar os custos simplificados. Estes são alguns exemplos de simplificação que já estão a ser aplicados. A necessidade de se agilizar e acelerar os processos de licenciamento também está a ser trabalhada. Desta forma conseguiremos atrair as gerações mais jovens e dinamizar o crescimento do setor para que a agricultura portuguesa seja mais moderna, forte e competitiva. A agricultura, a floresta e a pesca
são estruturantes e estratégicas para Portugal. Elas são fundamentais para a nossa autonomia estratégica, coesão territorial, para o património cultural, para a gastronomia, a indústria, a investigação, a inovação e determinantes para o futuro do País.
Apesar de os cortes de até 35% dos subsídios à agricultura biológica previstos no final do ano passado terem sido revertidos, a Agricultura continua a enfrentar muitos problemas e desafios. Quais são os mais prementes e que medidas estão na calha a curto prazo?
Ainda não há a perceção da importância e dimensão da agricultura. As alterações climáticas, as guerras que teimam em não parar, o aumento da população mundial, são desafios que temos de vencer. A segurança alimentar é crucial. Quando falo de segurança alimentar estou a referir-me a “comida no prato”. É urgente e é nossa obrigação conseguir uma agricultura competitiva, sustentável e que contribua para a coesão social e territorial. A aposta na investigação, na formação profissional são essenciais. Por isso, insisto que é obrigação de todos os fundos e programas europeus, Fundo Ambiental e Orçamento de Estado, contribuírem para estes objetivos. A solução encontrada para os cortes nos Ecorregimes – Agricultura Biológica e Produção Integrada – não foi uma solução definitiva. O que se fez para o PU2023 foi solicitar uma autorização à Comissão para um auxílio de estado no valor de 60 M€. Se nada fosse feito, todos os anos teríamos de nos sujeitar a um pedido de autorização que podia ser negado. Já para o PU2025 e no âmbito da III reprogramação do PEPAC vamos resolver, de forma definitiva, a suborçamentação dos Ecorregimes, transferindo a Agricultura Biológica e a Produção Integrada para o II Pilar, desta forma libertando verbas no I Pilar para o reforço do rendimento dos agricultores. Em vez de termos 60 milhões de euros anuais em auxílios de estado que dependem da autorização da Comissão Europeia, passaremos a ter 60 milhões de euros em cofinanciamento do II Pilar.
Recentemente falou de um ambicioso plano de ações para impulsionar o rendimento dos agricultores. Em que é que esse plano se consubstancia?
Um dos motivos principais que deu o arranque para a onda de contestações dos agricultores de toda a Europa, nos primeiros meses deste ano, foi a acentuada perda de rendimentos ao longo dos últimos anos e os ataques aos agricultores no que diz respeito a questões ambientais. Ora, um dos focos deste Governo é precisamente aumentar o rendimento dos agricultores. O PEPAC anterior deixava Portugal no fim da tabela dos países da UE, em termos de Apoio ao Rendimento Base (81 €/ha em Portugal, 134 €/ha em média da UE). Vamos alterar esta situação com a reprogramação do PEPAC, com um aumento de 54% para o Apoio ao Rendimento Base, situando-se o valor médio nos 126 €/ha. É esta a nossa proposta de reprogramação que esperamos ver aprovada em outubro pela Comissão Europeia. Para além deste aumento, vamos também rever os apoios unitários do Ecorregime Práticas Promotoras da Biodiversidade, de forma a incentivar a adesão de mais agricultores para esta medida. Ajustaremos as dotações orçamentais à procura do PU2023 e PU2024, dos Ecorregimes que se mantêm no I Pilar e vamos reforçar as Medidas de Manutenção da atividade agrícola em zonas desfavorecidas (MZD) e os Pagamentos Rede Natura em 32,6 M €/ano, de forma a alinharmos os valores entre o PU2022 e o PU2025. Vamos, ainda, em casos mais específicos como o vinho, reforçar o investimento para a promoção e comunicação em países terceiros e posso dizer-lhe que a dotação anterior era de 19,8 M€ e vai passar para 34 M€ entre 2025 e 2027, e o número de ações passarão de 80 para 150. Vamos também rever os limites máximos de apoio das medidas de investimento produtivo e da bioeconomia.
“Temos de simplificar a vida aos agricultores”
Que balanço faz da campanha do PU2024, ao nível de candidaturas e da melhoria em relação aos constrangimentos registados na campanha de 2023?
Se compararmos com o PU2023, o balanço é muito positivo. Não houve constrangimentos de maior e apesar de algumas queixas pontuais, estas não tiveram a expressão do ano anterior. Mas temos de fazer melhor e de simplificar a vida aos agricultores. Aproveito para agradecer a todos os técnicos que fizeram o “carregamento” das candidaturas. Fizeram um trabalho brutal. Estamos a trabalhar para recorrermos a ferramentas de IA para simplificar o processo de candidatura. Os números falam por si, durante a campanha de 2024 foram submetidas no total 185.841 candidaturas, quando em 2023 foram de 184.458, e em 2022 foram 184.091 candidaturas. Estamos, por isso, satisfeitos com o que alcançámos nesta matéria, mas posso garantir que também neste aspeto não vamos ficar parados e vamos fazer todos os esforços para que o PU2025 seja ainda melhor.
No caso dos Jovens Agricultores, anunciou o investimento de 200 milhões de euros, com taxa de juros zero nos primeiros cinco anos de instalação. Quando avançará, em que moldes e que impactos espera?
O que pretendemos é implementar o instrumento da taxa de juro 0% através da linha Agri Portugal. Prevê-se que até ao final de 2025 seja mobilizado no âmbito desta linha de crédito um total de 200 milhões de euros em investimento. Para este valor queremos aplicar uma taxa de juro de 0%, nos primeiros cinco anos. Tal só é possível porque vamos mobilizar fundos do PDR2020 para pagar os juros. Uma vez que o programa Agri Portugal apresenta uma fraca adesão da parte dos Jovens Agricultores, acreditamos que eliminar a despesa do juro poderá ser um incentivo significativo ao investimento dos Jovens Agricultores.
Que outras medidas tenciona tomar para atrair mais Jovens para o setor e de que forma é possível facilitar o acesso à terra?
No âmbito desta reprogramação e no que aos jovens agricultores diz respeito vamos aumentar o prémio à instalação de Jovens Agricultores, muito focado nos que se dediquem em exclusividade à atividade agrícola. Os Jovens Agricultores em exclusividade terão acesso a 50 mil euros de prémio à instalação, e aqueles que se encontram em zonas vulneráveis terão 55 mil euros. Esses valores no PEPAC anterior eram de 25 e 30 mil euros respetivamente. Poderão fazer candidaturas para investimento com um limite máximo de apoio de 400 mil euros. Ainda no âmbito desta reprogramação, teremos um enfoque nos instrumentos financeiros, que também se aplicam aos jovens. Estes instrumentos financeiros e o aumento do valor do prémio ajudarão os Jovens Agricultores no acesso à terra.
Falando das alterações climáticas. Como olha para a forma como os agricultores se estão a adaptar e o que mais o preocupa?
A minha maior preocupação, já o disse várias vezes, é o facto de os agricultores serem muitas vezes apresentados como se fossem uns vilões e uns inimigos do ambiente. Não podemos correr o risco de entrar no caminho perigoso do radicalismo verde que impede que se atinjam os objetivos climáticos e que penaliza os agricultores e os leva a que se sintam desconsiderados. Os agricultores não são o problema, mas antes a parte vital para que se encontre uma solução. Eles são os primeiros interessados no ambiente e nas boas condições dos solos porque dependem disso para viver. É preciso falar a verdade, é preciso ser gradual e não radical.
Haverá incentivos e apoios nesta matéria? Quais?
A inovação e a investigação desempenham um papel fundamental para o avanço nesta matéria. Acredito que é sobretudo com a investigação que podemos vencer os desafios que temos pela frente – o das alterações climáticas e também o da qualidade dos nossos solos. Nesta reprogramação vamos abrir uma nova medida de investimento para a agricultura de precisão, que ajudará os agricultores a adotar novas tecnologias.
Falando do tal «radicalismo ambiental» de que os agricultores foram e estão a ser vítimas. As imposições europeias ao setor, nesta matéria, são muito exigentes (e exageradas)? Como pode Portugal contornar o problema sem que isso ponha em causa a competitividade da Agricultura portuguesa?
A meu ver, as posições do ex-vice-Presidente da Comissão, Frans Timmermans, eram exageradas. De tal forma que esbarravam no Parlamento Europeu. Lembro-me da proposta sobre o uso sustentável dos produtos fitofarmacêuticos que acabou por ser chumbada no Parlamento e retirada por parte da Comissão. Caso essa proposta tivesse avançado teríamos de aumentar as importações de produtos fora da UE, produzidos com menores exigências ambientais e regras de segurança alimentar menos exigentes. O transporte aumentaria a pegada ecológica. Obviamente que a preocupação com as alterações climáticas é importante, o que não deve ser feito é apresentar propostas legislativas ou de regulamentos que prejudicam fortemente os agricultores, põem em causa a autonomia estratégica agroalimentar da UE e acabam por agravar as alterações climáticas. Antes de se aplicar proibições ou obrigações, devemos primeiro ter soluções para responder aos desafios de sustentabilidade ambiental, que tenham também em consideração as componentes económica e social.
Água e cereais
Falando do problema da água, que afeta, e muito, a agricultura. Qual o plano do Governo para satisfazer as necessidades de regadio do País? Há intenção de relançar um grande Plano de Regadio em Portugal? Em que moldes?
O Primeiro-Ministro anunciou, em maio, na 19.ª Reunião da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, a estratégia ‘Água que Une’. Em junho, por meu despacho e da senhora Ministra do Ambiente e Energia, criámos o grupo de trabalho para a elaboração dessa estratégia. Nesse âmbito, as águas de Portugal, a EDIA, a APA e a DGADR trabalharam em conjunto. No ministério da Agricultura temos como objetivo implementar um Plano de Armazenamento e de Distribuição Eficiente da Água para a Agricultura (REGA), cujo objetivo é aumentar a eficiência hídrica, otimizar as infraestruturas existentes, criar novas infraestruturas e origens de água de armazenamento, regularização e captação de água, não descartando, em último recurso, a interligação entre bacias hidrográficas.
Como analisa o setor dos cereais em Portugal, com a insatisfação dos agricultores ao nível dos preços dos fatores de produção? Como pretende a tutela intervir para ajudar os agricultores?
Acredito que no cerne da questão está a necessidade urgente de melhorar o rendimento dos agricultores. Este ponto chave é uma condição obrigatória para o rejuvenescimento do setor e um meio para reduzirmos o défice da nossa balança agroalimentar. Temos de contribuir para a autonomia estratégica da UE. Posso adiantar ainda que iremos aumentar os valores máximos e mínimos nas intervenções milho e milho grão para dar maior flexibilidade de adaptação às enormes variações de preços ocorridas nestes mercados.
Foi lançado no anterior Governo a Estratégia para os Cereais. Tenciona revê-la e ajustá-la às necessidades atuais, tendo em conta não só os problemas do mercado interno como os impactos da guerra na Ucrânia?
A Estratégia existiu, mas foi abandonada pelo setor devido a incompatibilidades com a anterior tutela. Este Ministério está empenhado em continuar o diálogo com o setor. O setor já pediu para se retomar e se possível rever a estratégia e temos todo o interesse nisso. Temos espaço para melhorar o nosso grau de autoaprovisionamento dos cereais, mas nunca nos podemos esquecer que não seremos autossuficientes em todos os produtos agrícolas. Nesse sentido, é também importante procurar maior valor acrescentado nos nossos produtos, valorizar por via do mercado, dar a conhecer aos consumidores a produção nacional.
Sobre a extinção das Direções Regionais de Agricultura por parte do anterior Governo, decisão que deixou todo o setor incrédulo, há alguma possibilidade de virem a ser repostas? Que garantias pode dar sobre esta matéria?
Mantenho o que tenho vindo a dizer. É uma decisão que cabe ao Governo. Qualquer que seja a decisão que o Governo tome, uma coisa é certa: não abandonaremos um único agricultor, não deixaremos o território sem apoio. Quanto a isso não temos dúvidas e o Programa de Governo é claro. Segui-lo-emos com o mesmo compromisso que tínhamos quando tomámos posse. Queremos “valorizar e agregar a funcionalidade institucional do Ministério e dos seus organismos, reponderando as alterações à arquitetura institucional-territorial da Floresta e da Agricultura e Pescas “.
Uma das figuras impulsionadas pela AJAP nos últimos anos foi o JER – Jovem Empresário Rural, que conta com um Estatuto próprio desde 2019. Esta figura pretende potenciar o empreendedorismo no Mundo Rural, a fixação de jovens nestes territórios e a criação de novas empresas. Como olha para o JER, que impulso pode ter a nível governamental (em articulação com outras tutelas, como a Juventude, a Economia e a Coesão) e em que medida o Ministério da Agricultura e Pescas a considera importante no contexto do desenvolvimento económico do País?
Os Jovens Empresários Rurais e os Jovens Agricultores desempenham um papel vital no desenvolvimento sustentável dos territórios rurais do nosso País. A energia, a inovação e a determinação que estes jovens trazem ao setor agrícola e ao mundo rural são essenciais para revitalizar as economias locais, combater o despovoamento e promover a coesão territorial. O nosso compromisso, enquanto Governo, é reforçar o apoio e o estímulo a este espírito empreendedor. Reconhecemos a importância de criar condições favoráveis para que um número crescente de jovens escolha o mundo rural como o local para viver e desenvolver as suas atividades profissionais. A figura do JER tem um papel relevante neste contexto, e o Governo está empenhado em estimular e promover esta iniciativa.
Por fim, a AJAP tem promovido e defendido, ao longo dos últimos 41 anos, os Jovens Agricultores e Agricultores portugueses. Que análise faz do trabalho da nossa associação e de que forma olha para a importância do diálogo com as confederações?
A AJAP tem desenvolvido ao longo dos anos um trabalho muito importante. Considero a AJAP um forte aliado para atingirmos os objetivos a que nos propomos. Para este Governo, a agricultura é estratégica e estruturante para Portugal. No caminho do desenvolvimento traçado, contamos com todos.
Nota: Entrevista publicada na edição n.º 139 da Revista Jovens Agricultores da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP. Recordamos que a entrevista foi realizada no início de setembro, sendo que algumas questões foram respondidas à luz da realidade atual no momento, e, desta forma, há algumas realidades que entretanto registaram alterações, nomeadamente no que respeita à reprogramação do PEPAC e à questão das DRAP’s.