Grande Entrevista com João Moura, Secretário de Estado da Agricultura

João Moura, Secretário de Estado da Agricultura, diz que “a agricultura portuguesa em 2025 encontra -se em transformação”. Em entrevista à revista ‘Jovens Agricultores’, o governante salienta ser “necessário continuar a apostar na inovação, na tecnologia e na ciência ao serviço do setor agrícola”. Acrescenta que a renovação geracional “exige muito mais do que apoios à instalação, exige disponibilização de serviços de coesão territorial”.

Que radiografia traça, em termos gerais, da Agricultura portuguesa em 2025?

A agricultura portuguesa em 2025 encontra-se em transformação. Temos um setor cada vez mais tecnológico, cada vez mais informado e com uma crescente adesão a práticas sustentáveis e integradas com a economia circular. É certo que enfrentamos desafios climáticos e estruturais e, para fazer face a esses desafios, há uma forte aposta na inovação, na formação e na renovação geracional. Os agricultores sempre foram os grandes defensores da terra e da sustentabilidade da mesma e estão cada vez mais conscientes da necessidade de responder às exigências ambientais e sociais, sem perder a competitividade do nosso setor. Portugal, atendendo às condições edafoclimáticas e à sua diversidade cultural nas diferentes regiões, produz produtos de excelência, os melhores do mundo. 2025 será um ano de viragem para a devida valorização qualitativa de muitos desses nossos produtos. Na verdade, os produtos nacionais contêm uma história associada e têm elevadíssima qualidade e diferenciação, logo têm tudo para ter uma valorização superior no mercado, principalmente para as exportações.

Que desafios prementes tem o setor e que constrangimentos são mais evidentes?

Os principais desafios que a agricultura portuguesa enfrenta passam, em primeiro lugar, pela gestão eficiente da água num contexto de escassez crescente. E, nesse sentido, o Primeiro-Ministro vai apresentar uma nova estratégia nacional para a gestão e disponibilidade de água designada ‘Água que Une’. Queremos, em primeiro lugar, garantir o abastecimento público e o bem-estar das populações, mas também dar viabilidade a setores económicos, nomeadamente o agrícola. Os picos, cada vez mais intensos e frequentes, quer de escassez por um lado, quer de abundância por outro, requerem da parte da ação humana uma necessidade maior de armazenamento e controlo de disponibilidade deste recurso. Estando o setor agrícola extremamente exposto aos efeitos das alterações climáticas, um dos grandes desafios é o aparecimento de novas pragas e doenças que atacam as produções animais e vegetais. Exemplo disso é o surgimento de doenças, como a língua azul que ataca ruminantes, cujo vetor de transmissão, os insetos, sobrevivem às temperaturas amenas dos nossos outonos e primaveras sendo difícil de combater a propagação. A par do desafio das alterações climáticas na produtividade agrícola, está ainda a competitividade das empresas agrícolas europeias, cujos produtos concorrem com produções de outros mercados do globo, sem as mesmas exigências ambientais, sociais e económicas. Julgamos que é necessário continuar a apostar na inovação, na tecnologia e na ciência ao serviço do setor agrícola. O grande desafio, quer dos decisores políticos, quer das confederações, das associações de produtores e da própria produção, é apostar cada vez mais na prevenção, através da melhoria da sanidade, da monitorização e do desenvolvimento científico, sob pena de andarmos sempre atrás do prejuízo e a reclamar indemnizações, com perdas sistemáticas de capital produtivo e desmotivação associada.

Nesta edição, o tema principal são os Jovens Agricultores e os apoios. Qual a sua importância no âmbito do PEPAC – Plano Estratégico da Política Agrícola Comum por segmento (não só na parte da Instalação como do Investimento)?

Os apoios da Política Agrícola Comum (PAC) ao longo dos anos foram cruciais para a instalação de Jovens Agricultores e para o incentivo ao investimento privado nas explorações agrícolas. No âmbito da terceira reprogramação do PEPAC, o prémio à instalação de jovens agricultores (medida C.2.2.1) foi aumentado para 50 mil euros caso este se instale em exclusividade e 55 mil euros se localizados em zonas vulneráveis e em exclusividade. Trata-se de uma duplicação deste valor face à programação inicial, que reflete bem a importância que queremos dar ao rejuvenescimento do setor agrícola. Por outro lado, no Investimento Produtivo para Jovens Agricultores (medida C.2.2.2), que visa apoiar investimentos em explorações agrícolas, aumentou-se o limite máximo de apoio para os 400 mil euros, aumentando a pontuação dos projetos que promovam a criação de emprego em zonas rurais, localizados em áreas de montanha, e que demonstrem formação agrícola adequada por parte do candidato. É um incentivo também à coesão territorial. Portanto, é sem dúvida muito importante estes apoios ao rejuvenescimento e à instalação de Jovens Agricultores.

Estamos a falar, ao todo, em que espaço temporal? Este valor é definitivo ou está sujeito a atualização?

O valor destas duas medidas na reprogramação aprovada recentemente pela Comissão é de 225 milhões de euros no PEPAC, para serem utilizados entre 2025 e 2029. Para já este é o valor que temos previsto para estas duas medidas.

Renovação geracional

Falando da renovação geracional. A média de idades dos agricultores portugueses é de 64 anos, um número que tem e continua a ser uma batalha da AJAP e do País rumo à inversão desta realidade. Para o Governo, de que forma se pode mudar esta realidade e o que temos feito?

Estamos a trabalhar para rejuvenescer o setor através de apoios mais robustos para a instalação de Jovens Agricultores, da formação especializada e através de incentivos fiscais, como já referi alguns. Mas, no nosso entender, a renovação geracional exige muito mais do que apoios à instalação. Exige disponibilização de serviços de coesão territorial. Por exemplo, o acesso a habitação e serviços em meios rurais é fundamental para tornar estas áreas territoriais atrativas para as novas gerações. Para tal, é importante reformular programas já existentes e criar apoios, como por exemplo as medidas de acesso à habitação que entraram em vigor em 2025, através da Nova Estratégia para a Habitação apresentada no ano passado. Entre as principais medidas de apoio no acesso à habitação, estão os benefícios concedidos aos jovens. Desde a isenção de impostos ao financiamento a 100%, são várias as medidas que contribuem para eliminar barreira no acesso à habitação por parte dos jovens. Para inverter a elevada média de idades dos agricultores portugueses e garantir a renovação geracional, é fundamental repensar não apenas os incentivos diretos, mas também a perceção da agricultura como uma atividade inovadora e tecnologicamente avançada. Essa transformação deve começar desde os planos de estudo, passando por uma transição digital e tecnológica no setor. E mais, é fundamental que seja uma atividade rentável onde os agentes tenham rendimento atrativo.

A formação é essencial. Tem de haver uma mudança de paradigma no modelo educativo aliado à formação do setor? De que forma e que valências deverá ter?

Sem dúvida! Precisamos de um modelo educativo que combine teoria e prática, focando-se em competências tecnológicas, gestão de explorações agrícolas e práticas sustentáveis. A integração de estágios práticos em explorações e a promoção de centros de inovação agrícola são caminhos que estamos a trabalhar em conjunto com outras áreas governativas. Mas mais, é necessário também a formação da população no geral, combatendo a ideia que foi sendo criada junto da população infantil e juvenil que o Agricultor é o “mau da fita” e o poluidor do ambiente. É preciso desmistificar estes preconceitos errados e muito prejudiciais à sustentabilidade do planeta. O foco deste Governo está nos jovens, na atratividade destes para o setor, basta de contaminações negativas para a atividade agrícola, a agricultura hoje é altamente tecnológica e avançada, ela deve ser altamente rentável e os mais jovens devem rever no setor uma atividade com futuro. A formação agrícola, quer de ensino profissional, quer de ensino superior deverá ser diferenciada positivamente e estimular uma carreira aliciante para quem a procura, por isso temos estado em estreita colaboração com o Ministério da Educação de modo a resgatar um ensino que estava literalmente abandonado pelos anteriores Governos.

A agricultura de hoje não é a mesma do passado. Com a tecnologia, as exigências de inovação e os novos perfis agrícolas, é essencial uma adaptação dos agricultores a esta nova realidade. Que caminho está Portugal a trilhar nesta matéria?

Os Jovens Agricultores são decisivos. Estão a sê-lo? Claro que são e estão a sê-lo. Os jovens são decisivos na modernização da agricultura, pela sua maior abertura à inovação e à adoção de tecnologias de ponta. Este Governo para além de querer continuar a apoiar os Jovens Agricultores, quer apostar na tecnologia e na inteligência artificial para melhorar as condições de produção agrícola. Queremos promover o uso de drones na agricultura, bem como de sensores e sistemas de gestão inteligente de água. O investimento que Portugal tem realizado nos polos de inovação agrária, permitindo maior enfoque na digitalização da agricultura, são apostas estratégicas que merecem o nosso orgulho.

A sustentabilidade, a economia circular e o conhecimento são pilares fundamentais para a agricultura do futuro. Portugal e os agricultores estão a fazer esta transição verde imperiosa?

Portugal e os nossos agricultores tem dado passos importantes rumo a uma agricultura mais sustentável, inteligente e alinhada com os desafios ambientais globais, mas a transição verde exige um esforço contínuo e coordenado. A integração dos pilares da sustentabilidade, economia circular e conhecimento é fundamental para modernizar o setor e torná-lo mais competitivo e atrativo para as novas gerações. A produção agrícola europeia tem apostado em práticas agrícolas sustentáveis, promovidas pelos instrumentos de apoio da PAC que procurou iniciativas no âmbito da conservação do solo, da redução de fitofármacos e utilização eficiente da água. No mesmo sentido, a economia circular está igualmente a ganhar relevância. Explorações agrícolas têm investido na valorização de resíduos para produzir composto e biomassa, além de instalar sistemas de energia renovável, como painéis solares, a reutilização de água em circuitos fechados também demonstra avanços importantes. Estamos no caminho certo, mas ainda há trabalho a fazer.

“JER tem um papel determinante no combate ao despovoamento”

Qual o papel da investigação no desenvolvimento agrícola em Portugal e que contributos pode continuar a dar ao setor, num contexto de volatilidade e alterações climáticas?

A investigação é fundamental para encontrar soluções inovadoras e adaptadas às nossas condições climáticas. O desenvolvimento de novas variedades resistentes à seca e a otimização de técnicas de cultivo são exemplos claros. O Governo pretende reforçar a colaboração entre universidades, centros de investigação e agricultores. A investigação científica realizada em Portugal é de grande qualidade, do melhor que se faz no mundo, nomeadamente nas instituições do Ministério da Agricultura, como o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), os laboratórios colaborativos (como o InnovPlantProtect), mas também nas parcerias com empresas privadas. O desafio tem residido, muitas vezes, na dificuldade de transposição prática dos trabalhos realizados. Tão importante como desenvolver o estudo é garantir a sua aplicação prática no terreno,  é nisso que estamos também a trabalhar afincadamente.

No caso das alterações climáticas, como analisa a forma como o setor se tem adaptado e, sobretudo, o que estamos a fazer no campo da mitigação?

O setor agrícola tem demonstrado uma notável capacidade de adaptação, enfrentando desafios com resiliência e determinação, mesmo diante de um cenário adverso marcado pelas imprevisíveis alterações climáticas. Apesar das dificuldades, temos trilhado um caminho estratégico que visa não apenas responder aos impactos já sentidos, mas também antecipar soluções inovadoras para garantir a sustentabilidade e a prosperidade do setor a longo prazo. Entre as principais iniciativas em curso, destaca-se a promoção de uma gestão hídrica mais eficiente, que permite otimizar recursos preciosos num contexto de crescente escassez de água. Paralelamente, estamos a fomentar uma diversificação estratégica das culturas, cultivando espécies mais resilientes e adaptáveis às novas condições climáticas. Reconhecemos também que a revolução tecnológica deve ser indispensável na agricultura moderna. Por isso, o investimento em tecnologia de ponta tornou-se uma prioridade fundamental, capacitando o setor para enfrentar com maior eficácia os desafios do presente e do futuro. A par disso, a prevenção ao surgimento de novas doenças e pragas – resultantes das alterações climáticas – é uma preocupação central que tem merecido atenção crescente. Para tal, o Governo investiu em armadilhas para monitorizar a presença de vetores que transmitem doenças, bem como armadilhas inteligentes. Embora as alterações climáticas sejam uma força incontrolável, estamos convictos de que podemos e devemos responder de forma célere e eficaz às transformações que impõem ao território e à agricultura. Este é o compromisso inabalável do Governo: desenvolver e implementar mecanismos cada vez mais robustos e eficientes para mitigar os impactos negativos e promover um setor agrícola resiliente, inovador e sustentável. Para além da aposta que o Governo tem incutido à investigação agrária, estamos também comprometidos na partilha e na permuta de experiências com entidades governamentais de outros países. Exemplo dessa partilha é o recente protocolo assinado com o Brasil para colaboração técnica e científica ao nível do setor do azeite e do vinho. Estamos igualmente em parceria com os países do Norte de África na partilha de conhecimento científico para enfrentar pragas e doenças resultantes de condições climáticas específicas nesta zona do globo.

Uma das figuras impulsionadas pela AJAP nos últimos anos é o JER – Jovem Empresário Rural. O atual Governo, pela voz do senhor Ministro, já reconheceu a importância desta figura. Como olha para o JER e qual a importância que pode ter na revitalização das economias locais, no combate ao despovoamento e na promoção da coesão territorial?

O JER é uma chave importante na dinamização do mundo rural. Acompanhamos a necessidade de incentivar a criação de empresas inovadoras, não apenas na agricultura, mas também em turismo, serviços e novas tecnologias, contribuindo para revitalizar a economia rural. Assim, esta figura tem um papel determinante no combate ao despovoamento e na promoção da coesão territorial, com uma visão mais integrada e sustentável do futuro do nosso setor e do nosso País.

Nota: Entrevista publicada na Revista ‘Jovens Agricultores’ n.º 141 da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer a autorização prévia da AJAP.