“Em Portugal, o cooperativismo e o associativismo podiam ser mais fortes”

José Luiz Tejon, uma das personalidades mais respeitadas no Brasil e no mundo, na área do marketing em agronegócio, esteve em Portugal em novembro para falar de cooperativismo. Em entrevista à revista ‘Jovens Agricultores’, analisou a importância deste modelo, antecipou caminhos para o setor agrícola em Portugal e falou da importância da cooperação entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

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Esteve na Convenção 2024 da Caixa Agrícola de Torres Vedras, a 7 de novembro, onde foi debatida a atualidade do modelo de negócio do cooperativismo e da intercooperação. Como analisa este modelo no mundo atual e qual a sua importância?

No mundo, o cooperativismo é o único caminho para que possamos combater a pobreza, a miséria, a fome, o acesso à educação, a saúde e o meio ambiente. Quando olhamos principalmente para os países em desenvolvimento e os índices elevados de pobreza e de vida indigna, podemos, através do cooperativismo, promover um crescimento consciente e digno dessas populações, e que hoje, envolvem aproximadamente 4 biliões de pessoas que estão em insegurança alimentar, energética e climática. Assim, não vejo outra forma para resolver este problema que não seja através do cooperativismo. Obviamente não falamos de um ponto de vista assistencial, mas sim de um programa de desenvolvimento ao nível da educação, ciência, empreendedorismo e na busca de resultados, integrando as pessoas no mercado e através do conhecimento. Em relação ao Brasil, o cooperativismo já é bastante importante. Hoje, o movimento das cooperativas brasileiras representa, a nível económico-financeiro, cerca de 170 biliões de euros. Está, por isso, num momento consistente. Em relação a Portugal, acho que seria interessante uma conexão das cadeias de produção, ou seja, em setores comerciais, industriais, serviços e agropecuária, que poderão conceber melhor os seus sistemas produtivos, trabalhando em cooperação. Desta forma, o cooperativismo serve nos locais mais ricos, melhorando os processos de riqueza e o acesso à união de sistemas e, para isso, terão de ser envolvidos, sobretudo, em aspetos de comunicação, logística, digital ou inteligência artificial. E é aqui que caminhamos para um patamar de cooperação de desenvolvimento. Em suma, o cooperativismo é fundamental para tirar as pessoas da base da pirâmide indigna e essencial para que o topo da pirâmide continue bem-sucedido. Não tenho dúvidas: o cooperativismo é a mais espetacular invenção humana.

Que mais-valias traz o cooperativismo à agricultura e de que forma Portugal pode aproveitar esta janela de oportunidade?

Não tenho um conhecimento profundo e detalhado de como as coisas ocorrem em Portugal. Mas, neste evento da Caixa Agrícola, uma cooperativa de crédito, o que eu senti foi uma necessidade de trazer o conceito de cooperativismo para a juventude, porque o conceito exige um sentimento de vontade de cooperar. É muito importante trazer este conceito para uma visão moderna. Por exemplo, no nordeste brasileiro, que é muito pobre, a realidade é de assistência. Mas em Portugal o panorama encerra outros desafios e tem de passar por um crescimento do empreendedorismo, e em cooperação, ter condições para competir com países mais ricos. E isto tem de ser feito através de uma linguagem moderna, jovem e atraindo também mulheres. No agronegócio, por exemplo, é fundamental.

Conhece profundamente o agronegócio. Como avalia este segmento em Portugal?

É importante dizer que o Brasil tem coisas a aprender com Portugal e vice-versa. Porém, a diferença é que, como o Brasil tem uma dimensão enorme, detém uma grande importância das commodities, como o algodão, a cana-de-açúcar, o café, a soja, o milho, a agrofloresta, pecuária, etc. Porém, no Brasil, começa a desenvolver-se o conceito de terroir. Em Portugal, sinto que o cooperativismo e o associativismo podiam ser mais fortes, principalmente com ações de comunicação. Porque acho que o terroir português é muito bem visto, desde o azeite, gastronomia, vinhos, frutas e legumes. É importante avaliar qual o valor económico que tudo isto representa no potencial para o mundo, e claramente tem um grande impacto no PIB, no desenvolvimento da ciência, do conhecimento e do turismo (que também é agronegócio). Por tudo isto, acho que Portugal tem um potencial enorme no mundo e é uma joalharia do mundo do agronegócio.

A nível da cooperação no contexto da CPLP, como analisa as oportunidades?

Neste ponto é onde está a grande contribuição brasileira. Os países da CPLP, à exceção de Portugal, estão na faixa tropical. E é nesta área que no Brasil desenvolvemos conhecimento científico e tecnológico para o crescimento do agronegócio. Uma união Brasil e Portugal, que junte conhecimento brasileiro com a visão estratégica de Portugal, envolvendo os países de língua portuguesa, possibilitará uma oportunidade de planeamento estratégico muito importante. Seja no aumento das commodities, baseado em fundamentos tropicais ou na aposta no cooperativismo, juntando os pequenos produtores, e ter um sistema em cada país ter nichos de terroir para serem desenvolvidos numa estratégia de marketing. Vejo uma grande oportunidade na CPLP nesta abordagem.

Em Portugal foi criada a figura do JER – Jovem Empresário Rural, impulsionada pela AJAP. No Brasil, esta é uma figura que tem uma importância relevante?

No Brasil temos iniciativas da sociedade civil organizadas, e no setor agrícola e agroalimentar, direcionadas para uma cultura do jovem. E a nível do Governo também, com medidas que pretendem estimular os jovens. A iniciativa privada tem também essa preocupação. E da minha experiência vejo que os jovens olham, por exemplo, para a agricultura com um olhar muito positivo, através de uma visão moderna do terroir, da digitalização, ciência e tecnologia. Por isso, aplaudo a figura do JER e vejo-a como fundamental para alavancar nichos e a economia. Recordo que o criador do conceito do agronegócio (agrobusiness) é o professor Ray Goldberg, da Universidade de Harvard, tem hoje 97 anos. Numa entrevista que lhe fiz, pedi-lhe um conselho aos líderes de todo o mundo. E ele foi claro na mensagem: “cabe à juventude no sistema agroalimentar unir o mundo, porque o mundo está muito polarizado e dividido. Com isso, alcançaremos a segurança alimentar e energética”.

Nota: entrevista publicada na edição n.º 140 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP.  A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.