Ecorregimes e a inevitabilidade da ‘Uma Só Saúde’

Vivemos tempos cada vez mais disruptivos, com as evidentes alterações climáticas no topo, às quais se podem acrescentar a poluição da água e do solo, a desflorestação e a perda de biodiversidade. Tudo isto associado ao crescimento populacional global, urbanização, abandono rural, bem como à globalização (com circulação de pessoas, animais e bens a um ritmo alucinante), só pode descambar em prejuízo para a Saúde.

Texto: Teresa Letra Mateus | Professora Adjunta na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e Coordenadora da Pós-Graduação em ‘Uma Só Saúde/One Health’

Estes problemas são extremamente complexos e a ‘Uma Só Saúde’ (do inglês, One Health), surge cada vez mais como uma inevitabilidade. A ‘Uma Só Saúde’ é uma abordagem holística, colaborativa, transdisciplinar, que defende que as saúdes ambiental, animal e humana estão interligadas e são interdependentes. Urge pensar-se a Saúde de forma menos centrada no Homem e mais centrada no Planeta como um todo.

O Pacto Ecológico Europeu (Green Deal) bem como a Política Agrícola Comum (PAC) introduziram a necessidade de estabelecer ou alavancar Ecorregimes quer na agricultura quer na pecuária, destinados à promoção de melhores práticas que permitam beneficiar a sustentabilidade ambiental e mitigar alterações climáticas. Ora tal vem de encontro ao defendido pela ‘Uma Só Saúde’, que abraça a Natureza de uma forma “una” onde naturalmente se incluem Homem, animais e plantas e seu ambiente partilhado. Estas melhores práticas devem iniciar-se desde logo pela saúde do solo. Um solo rico (em nutrientes e não nos mais diversos poluentes) permitirá produzir alimentos ricos – nutricionalmente saudáveis e seguros, protegendo quem os comer (pessoas ou animais) e alavancando a soberania e segurança alimentar. A utilização sustentável dos solos é fundamental também para protegermos a saúde da água.

Sabemos que tudo o que aplicamos nos solos vai chegar aos aquíferos, e, a partir destes, aos vegetais, aos animais e às pessoas. Hoje preocupam-nos uma série de poluentes emergentes na água, alguns dos quais consequência dos incêndios florestais que tanto têm fustigado Portugal. O pastoreio, nomeadamente em sistemas extensivos de montanha em Ecorregimes, muito poderia contribuir para a mitigação deste problema dantesco dos incêndios, enquanto ao mesmo tempo contraria o abandono rural e contribui para a manutenção de uma paisagem sociocultural única que parece estar a extinguir-se (estranhamente, num tempo em que Portugal tanto aposta no turismo). Não posso deixar de referir aqui a importância do saber de cariz etnográfico, na etnobotânica e etnoveterinária, tão fundamental para os Ecorregimes onde existem limitações ao uso de químicos de síntese, e que também se está a perder com o desaparecimento dos últimos guardiões vivos deste saber. Note-se que este saber é precioso à luz dos imensos problemas de resistências (a antibióticos e a outros químicos usados para combater pragas vegetais ou animais) que vão emergindo. A este propósito as práticas de bem-estar animal são fundamentais, não só por uma questão óbvia de ética e respeito pelos animais, mas porque permitem reduzir substancialmente o uso de fármacos (um animal sem condições de bem-estar animal adoecerá muito mais frequente e severamente). Lembrar também que devemos optar sempre por animais de raça autóctone, animais muito mais resilientes e bem-adaptados aos seus habitats.

De igual modo, deveríamos privilegiar as variedades tradicionais de plantas locais pelos mesmos motivos, promovendo a biodiversidade (sabemos que a sua perda tem um impacto enorme no desenvolvimento de doenças infeciosas a nível global). A manutenção da floresta permitiria também, mitigar o aquecimento global, numa altura em que sabemos que as mortes (de humanos) associadas ao calor podem mais do que quadruplicar até 2050. Este aquecimento está também a fazer aumentar a frequência e diversidade de doenças transmitidas (quer a animais quer a humanos) por vetores (mosquitos, carraças entre outros), que antes eram sazonais.

Em suma, os Ecorregimes permitem contribuir para a almejada ‘Uma Só Saúde’, abordagem que urge como inevitável para a resolução dos problemas complexos dos nossos dias.

Nota: artigo publicado no suplemento dedicado aos Ecorregimes e Medidas Agroambientais, publicado com a edição n.º 137 da Revista Jovens Agricultores da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.