Que povo nós temos sido, que povo somos, que povo desejamos ser, que, sendo responsáveis por um país tão pequeno, que outros ergueram e dignificaram, hoje vive acantonado à volta de duas cidades? Parte do resto arde, ardeu e vai continuar a arder; outra grande parte é propriedade de investidores estrangeiros.
Os dados agora conhecidos e divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que na última década, entre 2011 e 2021, Portugal registou um decréscimo populacional de 2% e acentuou o padrão de litoralização e concentração da população junto da capital.
Pela primeira vez na história do país, 50% da população está concentrada nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, seguindo assim um insustentável caminho sempre centralizador e em direção ao litoral. Se nada se nada for alterado, e segundo algumas estimativas, em 2040 cerca de 70% dos portugueses concentram-se em apenas 5% do território.
Não sendo um problema exclusivo de Portugal, tem-se acentuado no nosso país; não sendo apenas recente, este percurso mais ativo de perda de população, abandono e envelhecimento da mesma tem pouco mais de duas décadas.
Pergunto-me e perguntar-se-ão milhares de portugueses: porquê?
O que fizeram os nossos governantes desde a nossa adesão à União Europeia?
Investiram milhões e milhões em Portugal, betão e mais betão, mais e mais infraestruturas.
E qual o resultado que hoje temos?
A nossa população está cada vez mais envelhecida e com um índice de natalidade muito baixo; infelizmente existe fome, e muita fome disfarçada e o desemprego é bem maior do que seria expectável. Possuímos uma classe média asfixiada com impostos diretos e indiretos, muitas das famílias endividadas, com salários baixos e com filhos a ter de abandonar a escola. Em contrapartida, temos mais ricos e assistimos ao surgimento de outra classe: os considerados muito ricos.
Pergunto-me e perguntar-se-ão milhares de portugueses: porquê?
Um Estado e um país que se endivida a cada ano que passa; um Estado e um país que vende constantemente empresas públicas; um Estado e um país que coloca os portugueses a pagar autoestradas financiadas com portagens elevadíssimas, um Estado e um país que esqueceu por completo a linha férrea, o Estado e o país da Europa que praticamente menos apoiou e apoia as pequenas e médias empresas, comércios, indústrias, floresta, pesca e a agricultura, não só durante a pandemia como ao longo dos anos.
Um Estado e sucessivos governos voltados para si próprios, que permanentemente engordam o número de funcionários públicos, a nível central, nos serviços descentralizados, nas autarquias e o número de assessores e quadros, sem com isso agilizar mais os serviços que prestam, ser mais céleres, mais transparentes e eficazes.
A este ritmo, muitos são os portugueses que trabalham e pagam os impostos que pagam, e que se questionam se virão a ser recompensados com uma reforma digna, sendo cada vez mais difícil pensar no que vai acontecer aos seus filhos, netos e bisnetos.
Os portugueses mereciam melhor sorte; merecíamos melhores políticos, políticos que sentissem o dever e a responsabilidade dos cargos que exercem para servir a população, o território continental e ilhas, e no apoio às nossas comunidades espalhadas pelo mundo.
Afinal que políticos temos? Basta ver telejornais.
Qual a verdadeira solução para o nosso interior, para os nossos territórios rurais, por forma a estancar a perda de população, e a reinventarem-se?
Porventura, apoiar mais os residentes dessas regiões, tentando perceber as suas ambições e problemas; de igual forma, promovendo a migração de pessoas dentro do país – neste caso do litoral para estas regiões rurais denominadas vulgarmente de interior; passaria ainda por atrair mais jovens para se instalarem na agricultura, mas também outros jovens com formação superior e média, ditos empreendedores, capazes de fazer renascer, de recriar, de pegar em coisas simples e transformá-las em ideias de negócio, através de start-ups, micro empresas e empresas. Felizmente existem algumas, embora poucas zonas do país, exemplo de Odemira e Tavira que, pela força da agricultura exportadora fixaram pessoas, não só locais mas também muitos imigrantes – este é, sem dúvida, um grande desafio do Governo: apoiar a iniciativa privada e pedagogicamente colaborar na criação das melhores condições para que os imigrantes se sintam o mais integrados possível.
Infelizmente muitas regiões do nosso interior possuem poucas pequenas e médias empresas na industria, no comércio, serviços, florestas e agricultura; as que existem, deparam-se com inúmeros problemas financeiros e estão pouco modernizadas.
Não sabemos se é através da “bazuca” ou de outros programas; o que na AJAP sabemos, e temos bem noção disso pelo nosso histórico na defesa destes territórios, é que o Governo tem de atuar: é urgente apoiar quem está cá, quem pretende vir e acima de tudo, apoiar as iniciativas dos jovens locais e dos centros urbanos a instalarem as suas ideias de negócio e à criação de riqueza nestas paragens.
O atual Governo, se quiser desenvolver verdadeiras políticas de coesão territorial, tem de voltar-se para estes territórios (rurais, de baixa densidade e vulneráveis) e torná-los atrativos, puxar verdadeiramente pelo seu potencial e estimular todos aqueles (da região ou não, jovens e menos jovens), que queiram investir nestas regiões e apoiá-los: sem apoios específicos e direcionados a perda de população e o abandono vão acentuar-se ainda mais.
O estimulo deve ser real, efetivo e linear para os jovens (locais e das zonas litorais), através da figura e instrumento que o governo anterior criou: falo do JER – Jovem Empresário Rural, e que tende a ficar na gaveta quando o mundo rural enfrenta processos transformadores e sensibilidades políticas que a Europa cada vez mais valoriza, e instiga os Estados-membros à renovação, rejuvenescimento e resiliência destes territórios.
O Estatuto JER foi criado com a publicação do Decreto-Lei nº9/2019, de 18 de janeiro e regulamentado na sua atribuição pela Portaria nº143/2019, de 14 de maio, surge como um instrumento de melhoria, de atratividade e competitividade dos territórios rurais. Este estatuto assume-se como um importante instrumento de apoio à diferenciação para os territórios rurais. O facto de se assumir como um apoio a uma faixa etária jovem – dos 18 aos 40 anos – especificamente em territórios rurais, que vai muito para além do setor agrícola (existe, para a agricultura, a figura do Jovem Agricultor), abre portas a um conjunto de iniciativas inovadoras e diferenciadoras e constitui um dos seus objetivos primordiais.
Um Estatuto que reconhece a complexidade da delimitação dos “mundos rurais”, que parte da diversidade dos territórios rurais e propõe um figurino à medida dessas especificidades, que pretende contribuir para processos transformadores que importam reforçar a favor da renovação, rejuvenescimento e resiliência.
Este é efetivamente um estatuto que responde às recomendações de melhoria de programas de valorização do mundo rural e garante a complementaridade das iniciativas em curso e que necessita tão urgente quanto possível de uma verdadeira articulação entre os Ministérios da Economia, Coesão e Agricultura, por forma a reajustar melhor um conjunto de medidas em torno de objetivos muito concretos.
Também a agricultura e as atividades que lhe estão associadas necessitam, para estes territórios, de mais ação e mais medidas especificas. As atividades ligadas à agricultura estão para os territórios rurais como a coluna vertebral está para o nosso corpo: até pode, em muitas zonas, não ser a atividade mais preponderante; contudo assume uma importância crucial nos territórios rurais, nos territórios de baixa densidade e nos territórios vulneráveis.
A agricultura com a nova PAC, atravessa novos desafios e novas tendências; importa articular as realidades do país a conceitos estratégicos, como sustentabilidade, digitalização, economia circular, tecnologia, agricultura biológica, agricultura de precisão, alterações climáticas, inovação, denominações de origem, comércio tradicional e local, e-commerce, sequeiro, inteligência artificial, regadio, exportações, auto-suficiência alimentar: a dificuldade está encontrar o equilíbrio entre modelos, entre os apoios e as práticas produtivas mais adaptadas, visando não só a produção de alimentos, como também o combate à desertificação, o equilíbrio dos ecossistemas e o combate às alterações climáticas.
É crucial a proteção eficaz a sistemas agrícolas mais débeis em territórios com handicaps específicos (rurais, montanha, baixa densidade e vulneráveis), como se devem apoiar os sistemas agrícolas mais intensivos e produtivistas, sem com isso prejudicar os recursos naturais e a sustentabilidade.
O Governo, as autarquias e a sociedade civil, têm uma responsabilidade enorme na tomada de decisões, assim estejam todos disponíveis e sintonizados para um bem comum e estratégico para Portugal: a vida ativa, útil e digna nos territórios rurais de Portugal.