“A salvaguarda e valorização da DM coloca-nos inúmeros desafios”

O Centro de Competências para a Dieta Mediterrânica (CCDM) foi constituído a 19 de julho de 2018. De âmbito nacional, estrutura-se essencialmente num fórum de pesquisa, de partilha e de articulação de conhecimento sobre a Dieta Mediterrânica (DM), que congrega agentes de investigação e inovação, formação, capacitação, divulgação e transferência de conhecimento, com agentes económicos e organismos da Administração Pública, onde a salvaguarda e valorização da Dieta Mediterrânica (DM) estão no cerne da sua atividade. Fazem parte do CCDM 27 membros. Em declarações à revista ‘Jovens Agricultores’, o Conselho Executivo do CCDM salienta que “a capacidade de informar e sensibilizar as populações para a DM” é um dos grandes desafios futuros, especialmente os grupos etários mais jovens.

Recuando no tempo, começamos por relembrar que o CCDM foi constituído com o objetivo de dar resposta a um conjunto de desafios, presentes e futuros, na tarefa exigente de salvaguarda e da valorização da DM.

Desde 2012, foram desenvolvidas atividades de preparação e aprovação da candidatura para inscrição da DM na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO. Posteriormente, para cumprir os compromissos assumidos, foi levado a cabo, por diversas estruturas[1], um profundo trabalho de valorização e salvaguarda da DM, do qual o Centro de Competências para a DM (CCDM) é herdeiro, e que é preciso ter em conta para compreender a sua missão estratégica.

No contexto atual, “identificam-se como principais desafios o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a premência na implementação de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis e as preocupações sanitárias suscitadas pela pandemia de Covid-19. Acresce ainda o progressivo afastamento de hábitos alimentares alinhados com os princípios da DM, em virtude da globalização alimentar e modos de produção intensivos relacionados, na base dos quais está a perda de conhecimento tradicional alimentar, o aumento do risco de obesidade entre outras doenças crónicas, e a clara degradação dos recursos naturais. Foi neste contexto complexo que o CCDM assumiu a pertinência destes desafios com o compromisso de delinear e implementar a sua Agenda de Investigação e Inovação. Esta agenda foi construída de forma participada, por todas as entidades que integram o CCDM, tendo sido aprovada em setembro de 2019, com o objetivo de ser a base que confere eficiência e eficácia ao sistema de inovação da DM”.

Do conhecimento adquirido com o trabalho desenvolvido pelo GADM e da Comissão Regional para a Salvaguarda da DM da Região do Algarve, e conscientes de que a DM, como conceito multidisciplinar, exige uma intervenção articulada e integrada de diferentes entidades, o CCDM promoveu projetos em diferentes áreas de atuação. Entre eles contam-se o projeto Territorial MED: Salvaguarda e Valorização da Dieta Mediterrânica e o projeto Salvaguarda da Dieta Mediterrânica para a promoção de um estilo de vida saudável e modelo de sociedade sustentável. Os mesmos visaram contribuir para a criação de uma estratégia nacional de salvaguarda e valorização da DM, sensibilizando e envolvendo diferentes atores e agentes com intervenção territorial, ao nível do distrito ou da sub-região. Estas ações procuraram adquirir um conhecimento aprofundado sobre as particularidades de cada região, e elaborar estratégias adaptadas às diferentes realidades. Como resultado do desenvolvimento destes projetos criaram-se Conselhos Regionais para a Salvaguarda e valorização da DM nas Regiões Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo, que integram um leque muito variado de organizações e que têm trabalhado na elaboração de Planos de Ação para cada uma das suas Regiões.

O CCDM, com o objetivo de promover o debate e divulgar boas práticas no âmbito da DM editou três revistas temáticas : Paisagens Alimentares Mediterrânicas; Dieta Mediterrânica: um estilo de vida saudável e Identidades e patrimónios do Mediterrânico. Para disseminar projetos e atividades que se desenvolveram no âmbito da DM, foi criado o site do CCDM, uma folha informativa, folhetos e foram produzidos 10 vídeos sobre a DM direcionados para jovens. O CCDM tem marcado presença na Feira da Dieta Mediterrânica, em Tavira, através de stand, divulgando os princípios e benefícios da DM e o trabalho desenvolvido, assim como participação e promoção de inúmeros debates e ações de informação e divulgação sobre a temática. O CCDM integra ainda, como parceiro, diversas candidaturas no âmbito do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, das quais duas já foram aprovadas. Este ano celebram-se os 10 anos do reconhecimento da DM como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, estando o CCDM, em colaboração com outras entidades, a organizar um plano de atividades para assinalar a efeméride, e que irão decorrer nas diferentes regiões do nosso país.

Crédito da foto: Arquivo Fotográfico CM Tavira

Balanço e impacto das atividades desenvolvidas 

O Conselho Executivo do Centro de Competências da DM refere que “alterar hábitos comportamentais exige um longo e persistente trabalho, que preferencialmente deve ser realizado em contacto direto com as pessoas e no diálogo com elas. Infelizmente, com a pandemia de Covid-19, as atividades presenciais tiveram de ser suspensas, e só a partir de 2022 voltámos ao terreno. No entanto, estamos convictos de que a atividade do CCDM assim como de inúmeras outras estruturas e iniciativas promovidas no País, está patente no reconhecimento que a sociedade faz hoje da importância da DM. São disso exemplos a integração da DM nas atividades de promoção de uma alimentação saudável e sustentável, nomeadamente através da criação do Plano Nacional para uma Alimentação Equilibrada e Sustentável (PNAES), na criação da Roda de Alimentos da Dieta Mediterrânica, na crescente integração da DM nas ementas escolares e nos conteúdos dos manuais escolares, na criação da Rota da Dieta Mediterrânica, na criação de um Destino Turístico Gastronómico Sustentável com base na DM, na promoção dos produtos locais associados à DM e respetiva comercialização em circuitos curtos. Foi igualmente importante a criação de Conselhos Regionais para a Dieta Mediterrânica em quatro regiões do País e a criação da Rede de Instituições de Ensino Superior para a Salvaguarda da Dieta Mediterrânica (RIES DM), que atualmente integra 23 instituições de ensino superior. Foram ainda desenvolvidos projetos de investigação e inovação, assim como organizados inúmeros seminários, conferências e outros eventos enquanto palcos de discussão da temática da DM”.

Importa ainda salientar que a Agenda de Inovação para a Agricultura 20-30 Terra Futura aprovada em 2020, e que vem na linha das atuais orientações da política comunitária (nomeadamente o Pacto Ecológico Europeu e a estratégia ‘Do Prado ao Prato’), integra medidas de apoio à salvaguarda e valorização da DM, com o objetivo de atingir a meta de aumentar em 20% a adesão à DM até 2030.

Desafios futuros com vista à sensibilização dos portugueses para os benefícios da DM

O constante crescimento da população, a globalização, a urbanização e o abandono das zonas rurais, a revolução tecnológica e as pressões económicas têm introduzido profundas alterações nos sistemas alimentares, nos hábitos alimentares, padrões de consumo e estilos de vida, resultando num processo de adesão a dietas pouco saudáveis e na diminuição de adesão à DM por parte da população portuguesa, nomeadamente nos grupos etários mais jovens.

Tem existido também uma forte pressão de substituição de sistemas culturais mediterrânicos pela produção de novos produtos, em sistemas monoculturais e intensivos, com reflexos na preservação dos produtos endógenos, da biodiversidade e dos recursos naturais.

Neste contexto, “a salvaguarda e valorização da DM coloca-nos inúmeros desafios, que reforçam a necessidade contínua de informar e sensibilizar as populações sobre os benefícios da DM, em especial os grupos etários das crianças e jovens que serão os adultos de amanhã. Os benefícios que resultam da adesão a este padrão alimentar e estilo de vida passa igualmente por criar condições que possibilitem o acesso de todos a este padrão alimentar, incluindo os grupos económicos mais vulneráveis. Por último e não menos importante, salientar a importância de sensibilizar os poderes políticos na aprovação de medidas que permitam salvaguardar e valorizar a DM”.

Medidas concretas de apoio à DM enquanto padrão alimentar saudável e sustentável

A DM é uma herança milenar das comunidades do Mediterrânico, que persiste até à atualidade dada a sua flexibilidade e adaptação à diversidade territorial, à evolução da economia e dos modos de vida das respetivas populações. Preservar a DM não significa voltar a antigos modelos de sociedade e de família, mas desafia-nos a encontrar o modo de conciliar os seus princípios através da inovação.

Procurando exemplificar, um dos princípios da DM é o consumo de produtos vegetais frescos e da época, produzidos localmente. Será, pois, necessário preservar a produção local e a biodiversidade de cada região, valorizar estes produtos junto das populações, criar condições de comercialização em cadeias curtas, e introduzir estes produtos nos menus das cantinas públicas. Salienta-se também a recuperação de pratos da gastronomia tradicional ou recriação de novos menus que respondam aos atuais hábitos dos jovens, como por exemplo os hambúrgueres de vegetais ou de pescado. Importa, pois, desenvolver estratégias de comunicação e intervenção que sejam adequadas aos diferentes grupos etários e sociais, e que passam muitas vezes pela experimentação ou transferência de conhecimento entre pares.

Outro tópico centra-se no desenvolvimento de iniciativas que “contribuam para aumentar a literacia alimentar da população portuguesa, com especial atenção para os grupos etários dos jovens e dos grupos vulneráveis, providenciando o acesso a informação que lhes permita realizar escolhas alimentares saudáveis. Na nossa perspetiva o trabalho com a comunidade escolar é essencial, informando sobre a DM como padrão alimentar, mas também como estilo de vida e de preservação dos recursos naturais, do ambiente e das identidades territoriais. A valorização de produtos e variedades endógenas, de apoio à biodiversidade e à produção agroalimentar de proximidade, apoiadas no conhecimento técnico e científico serão igualmente medidas essenciais para desenvolver Sistemas Alimentares Territoriais sustentáveis”, conclui o Conselho Executivo do Centro de Competências da DM.

[1] Podem ser referidas, a título de exemplo, o Grupo de Acompanhamento para a Salvaguarda e Promoção da Dieta Mediterrânica (GADM), criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 71/2014; o Conselho Regional para a Dieta Mediterrânica do Algarve, criado também em 2014; ou a existência do Plano de Salvaguarda da Dieta Mediterrânica (2018-2021), para a região do Algarve, elaborado pela Universidade do Algarve (UAlg), que define os objetivos e as iniciativas consideradas estratégicas para a valorização e salvaguarda da Dieta Mediterrânica, a criação do RIES DM.

Nota: Artigo publicado na edição n.º 134 da Revista Jovens Agricultores, no âmbito do Dossier Dieta Mediterrânica/Agricultura Sustentável. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.