Considerada um estilo de vida, que integra um padrão alimentar associado a conceitos de alimentação equilibrada, produção local, sustentabilidade, e até exercício físico, a Dieta Mediterrânica (DM) assenta em pilares simples, com comprovados benefícios para a saúde. Consagrada em 2013 Património Mundial e Imaterial da Humanidade em Portugal pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), falámos com José Bento dos Santos, gastrónomo e vitivinicultor, que define a DM como “uma filosofia de vida”. Contudo, garante que é preciso mais educação e esclarecimento dos consumidores para que possa ser aproveitada, com prazer e de forma saudável por todos os portugueses.
O engenheiro Bento dos Santos é um dos mais notáveis nomes associados à gastronomia e vinhos portugueses. Como olha hoje para a gastronomia nacional e em que patamar a podemos colocar?
Se chamarmos gastronomia àquilo que, no fundo, é a culinária, ou seja os alimentos já preparados para comer, Portugal é um País que, fruto das circunstâncias, como o clima, o mar, a história, a cultura, etc., ‘bebeu’ de muitas influências. E tudo isto moldou-nos, de forma única, enquanto País gastronómico, como é o caso do bacalhau, da doçaria, etc. Ao contrário do que somos levados a pensar, o que deu muito dinheiro aos Reis no tempo dos Descobrimentos foi o açúcar e não a pimenta. E tivemos muitas influências como por exemplo dos árabes, como os azeites, a fritura, que influenciaram muito a nossa base culinária. Outro exemplo: temos uma costa com peixe maravilhoso, que nos dá excelentes pratos, únicos em todo o mundo. Tudo isto proporcionou uma cozinha onde, de facto, se comiam coisas muito boas, mas não espetaculares, como noutras Cortes Europeias. Contudo, foram estas influências que nos deram a capacidade de ter receitas extraordinárias. Onde é que se come um bom arroz de sarrabulho hoje ou uma fataça na telha, como bem nos recorda Maria de Lourdes Modesto nos seus livros? E na verdade, tudo isto existia, mas os tempos modernos e a falta de tempo, impedem muitas vezes o acesso a esse receituário.
E hoje, o que resta dessa ancestralidade?
Resta muito até. Mas, a cozinha evoluiu em todo o mundo e passa muito pela restauração, e esta começou a crescer também em Portugal, talvez com algum atraso, mas foi capaz de criar uma cozinha própria, mantendo a tradição e inovando ao mesmo tempo. Além disso, atualmente, a nossa cozinha tem a capacidade de estar a um nível técnico muito elevado.
E como é que Portugal se encontrou com os conceitos da DM e como é que acha que os portugueses olham ela?
DM foi o nome que se encontrou para dar ao que a Bacia do Mediterrâneo sempre cultivou e que tem caraterísticas tais que as pessoas que ingerem esta dieta conseguem ter índices de saúde mais elevados. Há quem lhe chame a ‘Dieta dos Pobres’, das pessoas que viviam da sua horta, dos produtos locais típicos da região mediterrânea. No fundo, a DM passa por tirar partido da oferta de produtos frescos que temos à nossa disposição e aproveitar os seus fantásticos sabores. Recordo que Portugal não é um País mediterrânico in strictu sensu por não ser banhado pelo Mediterrâneo e, curiosamente, foi um dos países escolhidos para servir de exemplo…
E quando é que tudo realmente começa?
Começa com Ansel Keys, professor de medicina americano, que começou a estudar e a perceber que a alimentação influenciava muito a saúde das pessoas. Fez um estudo intitulado ‘The Seven Countries’ (1947), que, como o nome indica, foi feito em sete países, e que na origem incluía Portugal como país onde a forma de comer popular era saudável, algo que não se veio a verificar porque Salazar (apercebendo-se de poder ser conotado com uma ‘dieta de pobres’), não permitiu. Keys escolheu então a ilha de Creta, Grécia, onde, naquela altura, os índices de doenças cardiovasculares eram mais baixos que noutras paragens. Os cientistas fizeram então a pergunta: ‘Qual é a diferença entre os tipos de casos de saúde com diferentes tipos de alimentação?’. Analisaram as diferentes caraterísticas entre eles (fatores de risco) e a necessidade de fornecer conhecimentos sobre as causas e os possíveis meios de prevenção. Foi assim que Keys iniciou o estudo fazendo análises nutricionais cuidadosas em Itália, e mais 6 outros países (EUA, Finlândia, Holanda, Grécia, ex-Jugoslávia e Japão). Ao comparar os seus resultados com as refeições típicas da Europa Ocidental e América, Keys conclui que a DM se distingue pela sua dieta predominantemente vegetariana, aumento do consumo de azeite e redução da ingestão de leite e de carne. Tudo isto, claro nos anos 50 do século XX. Mas depois chegaram os supermercados a todo o lado e as populações passaram a ter acesso fácil a vários tipos de comidas, e tudo muda, voltando a subir os índices das doenças cardiovasculares e outras como a diabetes e a obesidade.
E atualmente, onde estamos hoje em Portugal no que respeita à DM?
Na minha opinião, temos condições em Portugal para sensibilizar os consumidores. E isso é muito importante, já que hoje em dia há uma grande parte das pessoas que vai atrás de ‘trinta mil dietas’, com restrições por vezes absurdas que não se deviam fazer, mas que, pelo menos, as sensibilizam que é preciso fazer alguma coisa quanto à alimentação. Neste sentido, é muito importante enquadrar aqui o conceito da DM. As pessoas precisam de ser educadas logo na escola, com os princípios, a filosofia da DM, levando-as a escolher livremente o que lhes sabe bem e não lhes compromete a saúde.
Como por exemplo?
Os conselhos nutricionais usam demasiado a proibição, é proibido comer isto, e aquilo, e aqueloutro, situações em que parece que tudo é proibido comer. A alimentação deve ser antes baseada na escolha educada de comidas saborosas e prazenteiras e, ao mesmo tempo, saudáveis.
Fazendo um paralelismo com o desenvolvimento do território e o Mundo Rural, a DM é importante também para a Agricultura e cadeia agroalimentar.
Sem dúvida. E mais, incentivando cada vez mais a sustentabilidade, em prol das comunidades e dos territórios rurais, também numa lógica de combate à desertificação.
Como encara o futuro da DM em Portugal?
É certo que evoluímos na produção, na indústria e em toda a cadeia alimentar, mas o mais importante é o consumidor ser esclarecido. Educar e esclarecer os portugueses é essencial, para também combater a falsa informação.
Que mensagem gostava de deixar, antecipando um pouco a DM no futuro?
Considero a DM como uma dádiva, que temos de compreender todos os dias, pois é um conceito em construção. E todos os dias aprender um pouco mais e entender a sua filosofia, porque, sem dúvida, a DM é uma filosofia de vida.
Perfil
José Bento dos Santos é engenheiro Químico-Industrial pelo Instituto Superior Técnico desde 1970.
Vinte anos depois dá início ao projeto vitivinícola da Quinta do Monte d’Oiro, um sucesso no setor dos vinhos em Portugal e reconhecido não só cá dentro, como além-fronteiras. Tem dedicado toda a vida ao conhecimento da gastronomia e aplicou os seus conhecimentos na descoberta das harmonias perfeitas entre o vinho e a comida.
Foi presidente da Academia Internacional de Gastronomia, e é conselheiro gastronómico da Chaine des Rôtisseurs, cavaleiro da Confraria do Vinho do Porto, membro da Académie des Psycologues du Goût, Chevalier des Entonneurs Rabelaisieus e Chevalier du Tastevin.
É autor do livro ‘Subtilezas Gastronómicas – receitas à volta de um vinho’ (Assírio & Alvim, 2005) e publica regularmente artigos sobre gastronomia e vinhos em diversos meios de comunicação. É igualmente autor e apresentador das séries televisivas sobre os temas do vinho e da gastronomia: ‘Segredos do Vinho’ (SIC, 2001) e ‘O Sentido do Gosto’ (RTP, 2007-2008).
Nota: Entrevista publicada na edição n.º 134 da Revista Jovens Agricultores, no âmbito do Dossier Dieta Mediterrânica/Agricultura Sustentável. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.