Durante a II Confluência Agroecológica, que teve lugar em junho de 2025, na Golegã, o projeto PAGE (Paisagens Agrícolas e Alimentares com Gerações de Mulheres Inovadoras) organizou a ‘Mesa Interminável sobre jovens e mulheres nos territórios agroecológicos’, que revelou um retrato complexo dos desafios e potencialidades da nova ruralidade portuguesa.
Financiado pelo PRR e implementado em três territórios-piloto (Barroso, Serra da Estrela e Serra de Serpa), o projeto PAGE enfatiza precisamente o papel das mulheres e dos jovens como principais atores com um potencial de inovação diferenciado, que reconhece que as mulheres são as principais “guardiãs” do património agrícola e alimentar, ainda que de forma, muitas vezes, invisível.
Este formato participativo, inspirado no projeto ‘The Long Table’1, permitiu um diálogo horizontal onde agricultores, mulheres e jovens, partilharam experiências autênticas sobre a transição para sistemas alimentares sustentáveis. A dinâmica implementada procura incentivar o envolvimento do público, num formato aberto e não hierárquico de participação, em que todas as pessoas à volta da mesa têm o poder (e o dever, no interesse comum de uma discussão mais satisfatória) de mudar a direção da conversa, mediar momentos de tensão e cria espaço para vozes menos facilmente ouvidas.
Os testemunhos revelam saberes intergeracionais e recuperam memórias e imaginários rurais: do moleiro ao padeiro, da terra que “pagou estudos e casamentos”, da valorização do saber partilhado e da humildade de aprender com os outros.
Esta transmissão de conhecimentos enfrenta tensões, já que os jovens (e particularmente as mulheres) tendem a afastar-se da agricultura e do mundo rural devido a diversos obstáculos, como excesso de burocracia, ausência de apoio à maternidade, especulação fundiária, precariedade laboral, condescendência de género, modelos técnico-produtivos rígidos, formação técnica centrada na agricultura industrial e insuficiência de apoios específicos à inovação agroecológica.
Estas dificuldades contrastam, ainda assim, com experiências transformadoras e inspiradoras (ver artigo Joana Simões na revista 142 da AJAP), que demonstram como é possível sair do isolamento e construir relações regenerativas com a terra e a comunidade, que, em simultâneo, respeitam e asseguram a dignidade do trabalho agrícola.
As vozes nesta Mesa Interminável evidenciam uma geração que busca reconectar-se com a terra, motivada por valores como sustentabilidade e autonomia. Esta dinâmica alinha-se com os objetivos do PAGE, de valorizar o conhecimento tradicional e produtos de qualidade, através da promoção de negócios mais familiares assentes nas histórias de vida dos territórios. A valorização dos saberes locais e dos vínculos comunitários é, assim, não apenas um exercício de memória, mas um instrumento de transformação social e ecológica, fundamental para a renovação geracional na agricultura, especialmente no contexto da
transição agroecológica e da revalorização dos territórios de baixa densidade2,3.
A motivação fundamental para esta reaproximação emerge do amor à natureza: “quanto mais sabemos, mais mistérios encontramos”. Produzir comida torna-se, assim, um compromisso ético. As propostas convergem em soluções colaborativas, como redes de voluntariado, bancos de partilha de experiências, formações informais, expressões de novas economias afetivas e regenerativas.
Esta Mesa Interminável, como espaço de diálogo do projeto PAGE, confirma a urgência de valorizar os percursos de resistência e inovação atestados pelo papel das mulheres como transmissoras dos conhecimentos tradicionais alimentares e dos jovens como agentes de inovação.
O futuro rural depende de condições materiais justas, mas também de reconhecimento, confiança e redes de apoio. A experiência nos territórios-piloto do PAGE, alinhada com a estratégia da UE para promover a participação efetiva de jovens e mulheres na agricultura4, 5, demonstra que é possível criar políticas públicas que respeitem a diversidade territorial e de género, facilitem o acesso à terra e apoiem iniciativas regeneradoras de pequena escala. Valorizar quem cuida da terra e ousa experimentar é essencial para territórios mais vivos e justos, alinhados com a visão do PAGE de revitalização dos territórios rurais através da inovação protagonizada por mulheres e jovens.
Iniciado em 2023, o projeto PAGE é coordenado pela Escola Superior Agrária de Viseu, e tem como parceiros a CCDRC – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, a AJAP – Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, o Centro de Competências de Agricultura Familiar e Agroecologia representado pela ACTUAR – Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento, duas PME (Vagari e ERVITAL) e quatro jovens agricultores (Virtudes Outonais, Filipa Amaral, Vanessa Andrade e Sebastião Machado).
Mais informação aqui.
1 https://www.split-britches.com/long-table
2 FAO. 2019. The State of the World’s Biodiversity for Food and Agriculture, J. Bélanger & D. Pilling (eds.). FAO Commission on Genetic Resources for Food and Agriculture Assessments. Rome. 572 pp.
3 Moreno, L. & Magalhães, F. (2021). Agricultura Familiar e Valorização Territorial Sustentável em contexto de Alterações Climáticas: perspetivas e um diagnóstico “AFAVEL” em Portugal Continental. Lisboa: ANIMAR. ISBN 9789898748089.
4 Huguenot-Noël, R., & Vaquero Piñeiro, C. (2022). Just Transition & Revitalisation: A new EU strategy for rural areas [Policy brief]. Foundation for European Progressive Studies (FEPS). https://feps-europe.eu/wp-content/ uploads/2022/06/Just-Transition-Revitalisation-A-New-EU-Strategy-for-Rural-Areas.pdf
5 European Comission (2025). Young people in agriculture and rural areas. https://agriculture.ec.europa.eu/overview-vision-agriculture-food/young-people-agriculture-and-rural-areas_en
Nota: artigo publicado na edição n.º 143 da Revista Jovens Agricultores, da AJAP. A sua reprodução, na íntegra ou parcial, requer a autorização prévia da AJAP.