A economia circular na fileira oleícola

O setor da olivicultura e da produção de azeite, que designaremos por fileira oleícola, é desde há muitos anos uns dos setores da agricultura/agroindústria em que os princípios da economia circular são aplicados ao longo de toda a cadeia produtiva.

Texto: Francisco Mondragão-Rodrigues | Professor na Escola Superior de Biociências de Elvas (Instituto Politécnico de Portalegre)

Logo no olival, os sobrantes da poda são triturados na entrelinha dos olivais, contribuindo para o aumento da matéria orgânica do solo e uma devolução parcial de nutrientes ao olival. As azeitonas colhidas no final da campanha são processadas no pátio de receção do lagar separando-se as folhas, que poderão servir para a alimentação animal, sobretudo para ovinos, ou para a sua devolução ao olival, cumprindo o mesmo papel que os sobrantes da poda. Até ao final dos anos 90, em que o sistema de extração era de “três fases”, com a separação do azeite, das águas ruças e dos bagaços de azeitona “secos” (menos de 20% de humidade), apenas se conseguia um aproveitamento pouco valorizado dos bagaços para a produção de energia (nas caldeiras do próprio lagar ou em fornos de olaria, p.e.), para a produção de adubos orgânicos, para a alimentação animal e até para espalhamento direto nos olivais com vista a melhorar a fertilidade dos solos. As águas ruças constituíam o grande problema da fileira, sendo um verdadeiro resíduo, geralmente com grandes impactos negativos no ambiente.

Para resolver esta questão, por imposição das normativas europeias, a maioria dos lagares funciona atualmente num sistema de extração de “duas fases”, que consiste na separação num decanter, de uma fase líquida – o azeite – e de uma fase sólida – o bagaço de azeitona “húmido” (com 65 a 75% de humidade) [Figura 1], considerado o subproduto da produção de azeite. Este elevado teor de humidade obriga a uma secagem prévia em grandes secadores de bagaços, que irão reduzir a humidade para valores em torno de 15-20%. Antes da secagem, estas instalações retiram os caroços misturados com os bagaços húmidos e vendem-nos como combustível para caldeiras, sendo o produto bastante valorizado por ter um elevado poder calorífico. O bagaço seco pode ser “extratado”, com solventes como acontece na UCASUL (Alvito), para retirar alguma gordura remanescente, que se passará a chamar óleo de bagaço de azeitona. Os bagaços “extratados”, sem gordura remanescente, sem caroços, são posteriormente vendidos para fertilizantes orgânicos, alimentação animal ou como combustível para caldeiras (ex. as Piscinas Municipais cobertas da Vidigueira aquecem as águas e o ambiente queimando bagaço de azeitona “extratado”).

Figura 1: Balsa de armazenamento de bagaços húmidos (UCASUL – Alvito)

Devido aos novos layouts industriais dos lagares mais recentes e à atualização dos antigos, este panorama está a mudar, criando-se novos circuitos de circularidade. É no lagar que já estão a ser extraídos os caroços do bagaço húmido e a inclusão de mais um decanter para o processo de “repasso”, permite um maior esgotamento dos bagaços, retirando-se mais 1% ou 2% do azeite dos bagaços húmidos, embora de qualidade inferior (azeite lampante). Ou seja, estas fontes de receitas deixaram de ir para o secador de bagaços e passaram a beneficiar diretamente o lagar, que para além do azeite de alta qualidade, vende o azeite lampante do repasso e os caroços, enviando para o secador apenas os bagaços húmidos “esgotados”.

No Alentejo, a crescente produção de azeitona, por aumento da área e por incremento de produção dos novos olivais, tem originado um volume de bagaços húmidos que as instalações de secagem existentes não conseguem processar em tempo útil, obrigando à paragem dos lagares, como aconteceu em 2021. Por esta razão, novas utilizações para os subprodutos dos lagares têm vindo a ser desenvolvidas para dar vazão a esta crescente quantidade de bagaços húmidos.

A produção local de compostos orgânicos tem sido a solução mais imediata, como acontece na empresa Esporão, no Lagar de Vale Formoso (Granja) ou noutros locais do perímetro do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, por iniciativa da EDIA, através do projeto URSA (Unidades de recirculação de subprodutos de Alqueva).

Nestes casos, os bagaços húmidos provenientes dos lagares são misturados com as folhas das oliveiras (também provenientes dos lagares), alguns restos de poda e estrume de bovino (que funciona como catalisador). Ao fim de alguns meses de processamento e maturação, é obtido um composto orgânico de grande valor fertilizante que pode ser devolvido aos olivais ou outros terrenos agrícolas para aumentar a matéria orgânica e a fertilidade dos solos. Apresentando-se como parte da solução para o problema de processamento de quantidades crescentes de bagaços húmidos, a empresa ENTOGREEN, propõe transformar subprodutos agrícolas, entre os quais os bagaços húmidos, em fertilizante orgânico (“EntoHumos”) através da bio conversão feita por larvas da mosca Black Soldier Fly.

Figura 2: Lagar 4.0 com decanters equipados de sensores NIR para ajustamento em tempo real dos parâmetros de funcionamento (OLIBEST – Serpa)

No entanto, estamos convictos que é nos lagares que está em marcha a grande revolução da circularidade dos subprodutos. Em Portugal já existem decanters com sensores NIR e monitorização com software de Inteligência Artificial (Figura 2), que produzem ajustamentos em tempo real, reduzindo a valores inferiores a 1% o azeite remanescente que passa para os bagaços húmidos. Por sua vez, estes deixam de ser entregues na empresa de secagem de bagaços, que deles obtinha bastantes receitas, para ter um aproveitamento no próprio lagar, através da produção de biogás, com a instalação de biodigestores junto das lagoas de receção dos bagaços no perímetro do lagar e a injeção do biogás (maioritariamente biometano) no sistema nacional de gás natural (SNGN).

No sentido de valorizar ainda mais os bagaços húmidos, o gigante “GEA Westfalia”, líder mundial na produção de equipamentos de extração para lagares e outras indústrias, vai iniciar a comercialização da “tecnologia AlpePepe” que permite a partir dos bagaços húmidos livres de caroços, obter um extrato líquido de onde se poderão obter concentrados de polifenóis, de amido, de açucares e de outras substâncias orgânicas, que depois de estabilizados serão vendidos sob a forma de “xaropes concentrados” à indústria de cosmética, alimentar ou medicinal, com alto valor de comercialização.

As possibilidades são muitas para a valorização dos subprodutos e o incremento da circularidade da fileira oleícola, como outros exemplos podemos ainda citar a produção de farinha de bagaço de azeitona para a indústria alimentar, num processo patenteado pela empresa “PhenOlives”, ou a extração de produtos de alto valor acrescentado diretamente a partir dos bagaços húmidos, como o esqualeno (para indústria de suplementos alimentares, de cosmética ou medicinal) e o concentrado de ácido oleico (para a indústria têxtil ou para a indústria mineira) através de tecnologia inovadora e exclusiva da empresa “Oleicfat”. Tudo indica que, num futuro muito próximo, os subprodutos da fileira oleícola serão, pelo menos, tão valiosos como o próprio azeite, pelo que deixarão de ser subprodutos para passarem a ser “coprodutos” com valor e importância idêntica à do próprio azeite. Está aqui uma oportunidade única para a indústria nacional e os empreendedores do setor apostarem nestas novas tecnologias e acrescentarem valor à fileira através destes novos produtos. Não restam dúvidas de que vamos assistir, já na próxima década, ao reforço e ao ganho de importância em valor acrescentado da circularidade da fileira oleícola.

Nota: artigo publicado no suplemento Agricultura Circular n.º 139, incluído na Revista Jovens Agricultores. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, está sujeita a autorização da AJAP.