Terramay: a Agricultura Regenerativa a partir do Alentejo

A Terramay Portugal, herdade com 562 hectares, localizada na freguesia do Rosário, concelho do Alandroal, Alentejo, é um projeto de Agricultura Regenerativa 100% natural, que tem como missão criar um ecossistema equilibrado que produza alimentos saudáveis, tratando o meio ambiente e os animais com o respeito que merecem. A quinta conta com bovinos de raça mertolenga, porco preto alentejano, cabras serpentinas, ovelhas merino, cavalos e galinhas de raça autóctone, e diferencia-se pela sustentabilidade, neutralidade carbónica e a preocupação com a regeneração dos ecossistemas. Falámos com David de Brito, 36 anos, que nos dá a conhecer o projeto de vida que lançou nas margens do Alqueva. “Cada vez mais é necessário criar condições para oferecer perspetivas a jovens que queiram dedicar a sua vida à Agricultura Regenerativa e de proximidade. Sem esse investimento, iremos presenciar a contínua desertificação da paisagem, da comunidade e da cultura”. 

Jovem Agricultor, o percurso de David não começa na Agricultura. Foi digital strategist, business consultant e empresário. Mas hoje, é nas margens do Alqueva, que dá corpo a um projeto que nasceu com a chegada do seu segundo filho, como conta. “Despedi-me do projeto que na altura liderava porque vivia muito longe de casa e, foi durante esse interregno, que me apercebi da condição do planeta e das alterações climáticas e decidi, no meu futuro, trabalhar apenas com o intuito de travar ou lutar contra a desertificação e por um futuro melhor para os meus filhos”, explica.

Depois de procurar, durante quatro anos, com a mulher Anna e o melhor amigo, Thomas, encontrou a Terramay (562 ha) para onde se mudou a 15 de novembro de 2018. Um dos princípios basilares do projeto é a Agricultura Regenerativa, que, como salienta, “é um sistema de princípios e práticas agrícolas que aumenta a biodiversidade, enriquece os solos, melhora as bacias hidrográficas e os ecossistemas”.

A Agricultura Regenerativa visa capturar carbono no solo e na biomassa acima do solo, revertendo a atual tendência global de acumulação atmosférica. Ao mesmo tempo, oferece maiores rendimentos, resiliência à instabilidade climática e maior saúde e vitalidade às comunidades agrícolas e pecuárias. “O sistema baseia-se em décadas de pesquisa científica e experiências levadas a cabo pelas comunidades globais de Agricultura Biológica, Agricultura Sintrópica, Permacultura, Agricultura Natural e Maneio Holístico”, adianta David de Brito.

Para podermos perceber o conceito da herdade, o Jovem Agricultor lembra os cinco princípios base da Agricultura Regenerativa: minimizar toda a mobilização de solos, maximizar a biodiversidade, manter o solo sempre coberto, foco em culturas perenes e raízes vivas durante todo o ano e integrar os animais na gestão dos solos e paisagem.

Atualmente produz vegetais, frutas, transformados de vegetais, mel, azeite, leite de cabra, queijo de cabra, carne de cabrito pasto Bio, carne de borrego de pasto Bio, carne de porco preto alentejano 100% Bolota Bio, enchidos de porco preto alentejano 100% Bolota Bio, carne de vaca mertolenga 100% Pasto Bio e ovos.

Os produtos são vendidos em forma de cabazes para o cliente final, para restaurantes com estrela Michelin, sazonais e com preocupações ecológicas, “e também para o nosso próprio restaurante Raya e para alguns parceiros na Suíça”.

Pecuária 

Uma das vertentes da Terramay é o projeto pecuário, que para David de Brito, é “importantíssimo, pois todos os animais têm uma função na quinta”. Com as vacas, “cultivamos prados e pastagens permanentes e usamos o gado para ‘colher’ as pastagens, à medida que o fazem, as vacas pisoteiam a biomassa para ajudar a cobrir e proteger o solo. Os nutrientes não utilizados pelo sistema digestivo são depositados na terra para ajudar a alimentar a biologia do solo, de forma direta e imediatamente acessível, que nos permite por sua vez, produzir mais pastagens”.

David de Brito

E acrescenta: “além disso, à medida que pastam nas nossas pastagens, são elas que transportam a biodiversidade (sementes) de um ponto da quinta para o outro, com as sementes que ingerem reduzindo a necessidade de sementeiras mecanizadas. Mais, no caso das nossas vacas, que são mertolengas, são elas que usam os pontos da quinta onde seria muito difícil ter uma produção agrícola onde fossem necessárias máquinas”. Quanto às ovelhas, “usamos nas entrelinhas dos pomares quando precisamos controlar o crescimento de ervas espontâneas ou pastagens por nós semeadas. Também utilizamos as vacas para este objetivo, mas apenas pouco depois de serem desmamadas. Curiosamente compactam menos o solo que uma ovelha”.

As cabras são usadas para controlo de mato na quinta, os porcos “quando pretendemos lavrar uma parcela onde venha a ser algo cultivado sem recorrer aos tratores” e as galinhas “usamos para combater infestantes e parasitas nas nossas hortas e agroflorestas e também para acelerar o processo de decomposição do esterco das nossas vacas, principalmente durante os meses quentes e sem humidade”.

Quinta biológica

Uma das apostas do projeto, desde o início, é a produção de alimentos saudáveis a partir da quinta biológica. Sobre a importância dos alimentos mais equilibrados, o responsável da Terramay salienta que “há cada vez mais pessoas interessadas em produtos de qualidade, verdadeiramente saudáveis e que fazem bem ao ambiente e no conceito ‘One Health – Solo são, planta sã, animal são, planeta são’”.

O preço, realça David, continua a ser a maior barreira para o consumidor português que tem, infelizmente, pouco poder de compra. “De qualquer das formas, muitas pessoas já perceberam que ao investir em legumes de qualidade, com muitas vitaminas, densos em nutrientes e sem qualquer tipo de químicos estão, assim, a ganhar na longevidade, na saúde, na qualidade de vida e a poupar na conta do médico, que provavelmente todos teremos quando formos mais velhos, depois de termos passado a nossa vida a consumir químicos e pesticidas que são produzidos pelas mesmas empresas que nos vendem medicamentos quando estamos doentes”, avisa o Jovem Agricultor.

Nesta linha, considera que “enquanto o Estado não perceber que quem precisa de ser controlado, certificado, taxado e obrigado a referências especiais nas embalagens, deveriam ser aqueles que produzem ‘veneno’ para o corpo e para o solo, será, pois, quase impossível para os mais necessitados e para a classe média aderirem a produtos de agricultura regenerativa”. 

Para David de Brito “é um desafio enorme ser agricultor em Portugal e, mais ainda, fazer um projeto como o nosso com tantos segmentos de negócios diferentes. Continua a ser muito mais fácil explorar monoculturas, a todos os níveis, e a verdade dos agricultores é que não há ecologia sem economia. Até agora, para além do Freixo do Meio, não há nenhuma quinta que faça no nosso País o mesmo que nós, portanto, acho que cada vez mais é necessário criar condições para oferecer perspetivas a jovens que queiram dedicar a sua vida à agricultura regenerativa e de proximidade, que é positiva tanto para a natureza como para a comunidade. Sem esse investimento iremos presenciar a contínua desertificação da paisagem, da comunidade e da cultura”.

Considera, por isso, que fazem mais falta projetos de jovens no Interior do País, e que contribuam para as economias regionais e combate à desertificação. “São projetos como o nosso que contribuem para a economia local, para fixar pessoas e para garantir a transferência de conhecimento e cultura que é tão importante. Por exemplo, nós com toda a nossa operação (inclusive restauração) somos uma equipa de 26 pessoas fixas, que dinamizam o produto do trabalho nos nossos 560 hectares”. E em jeito de conclusão deixa uma pergunta no ar: “quantos funcionários fixos trabalham numa exploração de olival intensivo com 1000 hectares?”.

Saiba mais aqui. 

Cabazes Terramay chegam a Lisboa

Agora já é possível receber em casa produtos da quinta biológica Terramay, numa parceria com o Talho das Manas. Todas as semanas há um novo cabaz com hortícolas sazonais, que inclui uma sopa, um preparado para uma refeição rápida, e produtos 100% naturais. É complementado com receitas e dicas para utilizar os produtos que o compõem. Conveniência aliada a zero desperdício. À base de hortícolas sazonais e produtos 100% naturais, o Cabaz Terramay, é composto por uma sopa, um preparado, como um molho ou tempero, para uma refeição rápida, e vegetais da quinta de agricultura regenerativa alentejana. Cada cabaz, com o valor de 25€, inclui ainda uma receita e outras sugestões para utilizar os preparados e os produtos, assentando no conceito de conveniência e zero desperdício, para ajudar a tirar o melhor partido de todos os sabores e de todos os nutrientes, que são uma verdadeira fonte de saúde.

Nota: artigo publicado na edição n.º 135 – Revista Jovens Agricultores da AJAP. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.