Dieta Mediterrânica: a sustentabilidade como motor da inovação

A produção alimentar atual está longe de ser sustentável, originado impactos significativos no meio ambiente e na sociedade.

Autores: Elsa M Gonçalves, Marta Abreu, Nuno Canada | INIAV

Relativamente ao impacto dos sistemas alimentares salientam-se os seguintes factos: a agricultura ocupa cerca de 40% da superfície terrestre do planeta, a produção de alimentos contribuiu para as alterações climáticas (responsável por c.a de 30% das emissões globais de gases com efeito estufa) e o setor da agropecuária é responsável pela utilização de 70% da água potável. Todas estas atividades contribuem para o desequilíbrio ambiental e em consequência na perda de biodiversidade biológica. O desperdício de alimentos é outra preocupação significativa que precisa de intervenção urgente, uma vez que se estimam perdas de ca de 1/3 dos alimentos produzidos anualmente. Na Europa, são desperdiçados aproximadamente 88 milhões de toneladas/ano de alimentos, nas diferentes fases da cadeia de abastecimento alimentar, sobretudo ao nível do consumo, onde são estimados valores de 47 milhões de toneladas/ano por parte das famílias1. São por isso necessários esforços conjuntos de mudança que promovam alterações desde a produção ao consumo de alimentos que proporcionem padrões dietéticos mais sustentáveis.

Neste contexto, assiste-se ao crescente interesse pelo modelo alimentar advogado pelos princípios da Dieta Mediterrânica (DM), enquanto representante de um padrão alimentar sustentável. De acordo com a definição da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), “dietas sustentáveis são aquelas dietas de baixo impacto ambiental que contribuem para a segurança alimentar e nutricional e para uma vida saudável das populações e futuras gerações. As dietas sustentáveis devem proteger e respeitar a biodiversidade e os ecossistemas, respeitar valores culturais, serem economicamente acessíveis; nutricionalmente saudáveis e seguras; respeitando os recursos ambientais e humanos”2. Por conseguinte, as políticas alimentares, as orientações dietéticas e as questões de segurança alimentar devem incluir como importantes eixos estratégicos valores de impacto ambiental, socioeconómicos e culturais que anteriormente não eram considerados.

Assim, é importante a avaliação do impacto ambiental já realizada a muitos produtos alimentares. Esta estimativa pode ser calculada através de três índices: i) a Pegada Ecológica que mede a quantidade de gases com efeito de estufa que são libertados durante o ciclo de vida do produto ii) o índice da Pegada de Água que é definido como a quantidade de água consumida durante o ciclo de vida do produto e iii) o índice da Pegada Ecológica que estima a quantidade de área ocupada na produção por uma entidade para gerar os recursos consumidos e absorver os resíduos criados3. Com base nestes resultados, foi proposto o modelo da pirâmide dupla, como se mostra na Figura 1.

Figura 1. Modelo da Pirâmide Dupla: Alimentação-Ambiente proposto pelo BCFN (2010)4.

A DM ao promover o elevado consumo de produtos de origem vegetal, nomeadamente produtos hortofrutícolas e o baixo consumo de produtos de origem animal enquadra-se perfeitamente neste modelo de pirâmide dupla. Diversos estudos têm evidenciado que a alteração dos hábitos alimentares ocidentais da atualidade para o modelo de padrão dietético mediterrânico, contribuem para a redução do impacto ambiental (ex. utilização do solo, poupança de energia e consumo água). Outros atributos da DM, tais como o consumo sazonal de produtos frescos locais vendidos através de circuitos curtos, a utilização de espécies autóctones, a utilização moderada de técnicas de processamento alimentar, os modos de preparação culinária, a moderação nas porções ingeridas e a pequena quantidade de resíduos gerados devido à frugalidade, contribuem positivamente para esse objetivo.

A DM deve, no entanto, ser repensada utilizando ferramentas e abordagens inovadoras cuja implementação a torne economicamente sustentável e adaptada à atualidade. São disso exemplos a preservação de recursos genéticos para salvaguardar a biodiversidade, o desenvolvimento de sementes mais resistentes e produtivas, o desenvolvimento de melhores práticas agrícolas, designadamente uma gestão racional do uso de fertilizantes e de água e a integração de fontes alimentares alternativas.

A inovação na área da tecnologia alimentar alinhada com os princípios da dieta mediterrânica desempenha igualmente um papel crucial na sua reinvenção, nomeadamente enquanto orientador de práticas de processamento de menor impacto ambiental e identificando o valor de alimentos nutricionalmente equilibrados e de elevada bioatividade. Neste sentido, são importantes contributos, o desenvolvimento de novos produtos saudáveis e a otimização de tecnologias de processamento de alimentar incluindo processos convencionais e emergentes. São disso exemplos os contributos na promoção de alimentos minimamente processados com características próximas da condição em fresco e a diversificação da oferta de produtos locais / tradicionais com preservação das caraterísticas de sabor, sob os lemas das atuais exigências do consumidor e legislativas. Por último, referir a importância do desenvolvimento de conhecimento científico na temática da embalagem alimentar biodegradável que impõe desafios à conservação de alimentos, na ótica da diminuição de plásticos derivados do petróleo. Em súmula, os desafios impostos na inovação da DM requerem o esforço conjunto entre todos os intervenientes da cadeia produtiva, no qual se salienta a necessidade de intercolaboração, o suporte do conhecimento técnico-científico promovido pela investigação e a continua transmissão do conhecimento, promovendo-se assim avanços translacionais.

Referências:

  1. European Food Information Council. (2017). Let´s reduce food waste. Food Safety.
  2. (2010). Sustainable Diets and Biodiversity: Directions and solutions for policy, research and action. In International Scientific Symposium BIODIVERSITY AND SUSTAINABLE DIETS UNITED AGAINST HUNGER). Rome.
  3. Behrens, P., Kiefte-De Jong, J. C., Bosker, T., Rodrigues, J. F. D., De Koning, A., & Tukker, A. (2017). Evaluating the environmental impacts of dietary recommendations. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 114(51), 13412-13417.https://doi.org/10.1073/pnas.1711889114.
  4. Barilla Center for Food and Nutrition (BCFN) (http://www.barillacfn.com).

Nota: Artigo publicado na edição n.º 134 da Revista Jovens Agricultores, no âmbito do Dossier Dieta Mediterrânica/Agricultura Sustentável. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.