Alexandra Bento, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, analisa neste artigo a importância da Dieta Mediterrânica.
O atual contexto epidemiológico em Portugal, caraterizado por uma elevada prevalência de excesso de peso, obesidade e de outras doenças crónicas, potencialmente associadas à alimentação inadequada, reforçam a necessidade de dar continuidade e de intensificar a implementação de ações que permitam reduzir a carga da doença associada aos hábitos alimentares inadequados e ao excesso de peso.
De facto, em Portugal, a alimentação inadequada é uma das principais causas evitáveis de doenças crónicas, perda de qualidade de vida e mortalidade prematura. Estima-se inclusivamente que nos próximos anos, a alimentação inadequada possa vir a ultrapassar o tabaco no top dos fatores de risco modificáveis que mais influenciam a carga da doença a nível nacional.
É uma verdade que a alimentação e o estilo de vida dos portugueses sofreram alterações profundas nas últimas décadas, fruto do desenvolvimento económico, do aumento do poder de compra das famílias, da inovação na produção de alimentos, da abertura das fronteiras a alimentos e a produtos alimentares produzidos externamente. Este facto levou à globalização dos comportamentos alimentares que se traduziu nos chamados comportamentos alimentares “modernos” com efeitos na saúde individual e coletiva.
Portugal atravessou uma transição nutricional, revelando caraterísticas de um padrão de doenças crónicas. O País pode passar por uma nova transição nutricional que envolveria mudanças positivas de comportamento, impulsionadas por estratégias comunitárias multissetoriais.
Contrariar esta penosa realidade não é impossível e, em Portugal, existem os ingredientes certos: a “nossa” prodigiosa Dieta Mediterrânica.
A Dieta Mediterrânica é a expressão de diferentes culturas alimentares tradicionais e de estilo de vida, representando um mosaico histórico e ambiental próprio da região mediterrânica. A designação de ‘Dieta Mediterrânica’ teve a sua origem nos países que circundam o mar mediterrâneo ou que têm a sua influência, como é o caso de Portugal.
Atualmente, assume-se como um dos padrões alimentares mais estudado em todo o mundo para o qual existe mais evidência científica, sobre os seus efeitos benéficos na diminuição de diversos fatores de risco para as doenças crónicas, muitas destas relacionadas com hábitos alimentares inadequados.
Existem igualmente outros aspetos merecedores de destaque que não se limitam à composição nutricional dos alimentos, que se relacionam com comportamento alimentar característico deste padrão alimentar, como a componente social, cultural, económica e ambiental. Estes têm vindo a ser igualmente considerados como determinantes dos benefícios decorrentes da adesão ao padrão alimentar mediterrânico. O consumo de alimentos frescos e de produção local, com respeito pela sazonalidade, pela biodiversidade e atividades culinárias tradicionais e a convivialidade, assim como a variedade de alimentos (especialmente frutas e produtos hortícolas) representam a base deste padrão alimentar.
No padrão alimentar mediterrânico o respeito pelos recursos naturais e a sua sazonalidade é de grande importância. A escolha de produtos locais e sazonais pode constituir um fator impulsionador da economia local, conjugando preços mais competitivos, maior frescura e melhor sabor dos produtos frescos. A promoção deste padrão alimentar, com uma maior proporção e incorporação de produtos locais de origem vegetal, face aos de origem animal, pode assumir um papel também importante na preservação do meio ambiente.
A Dieta Mediterrânica foi reconhecida pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade de Portugal, Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia, em 4 de dezembro de 2013. Este título constitui um passo muito relevante para o reconhecimento da forma de estar e de comer características deste padrão alimentar. Este padrão alimentar carateriza-se por um elevado consumo de alimentos de origem vegetal, de entre os produtos hortícolas, fruta, leguminosas, frutos oleaginosos e cereais integrais, pela utilização de azeite como fonte principal de gordura adicionada, pelo consumo moderado de pescado, aves e produtos lácteos (iogurte e queijo), ovos e baixo consumo de carnes vermelhas.
Apesar destes benefícios, a adesão à Dieta Mediterrânica tem vindo a deteriorar-se ao longo das últimas décadas em vários países. No nosso País, dados de 2016, revelavam que apenas 18,2% da população portuguesa apresentava uma adesão elevada a este padrão alimentar. Todavia, dados de 2020 demonstram um aumento para 26%, pese embora a maioria dos portugueses mantenha uma baixa adesão a este padrão alimentar.
As alterações nos estilos de vida atuais, que se refletem nas doenças crónicas mais prevalentes no nosso País, reforçam a necessidade de promoção deste modo de vida saudável e sustentável que é a Dieta Mediterrânica, revelando-se importante uma reflexão aprofundada acerca da reduzida adesão aos princípios e recomendações inerentes à mesma, que poderá ter impacto, não só na perda de conhecimento e de práticas alimentares identitárias da dieta mediterrânica, como também na saúde humana e na do planeta.
O futuro da alimentação dos portugueses está de mãos dadas com a Agricultura. Todos reconhecemos que a Dieta Mediterrânica é a única que guarda relação com a nossa tradição, com a nossa cultura e que tem alimentos próprios da nossa zona geográfica. O desafio é simples e traz consigo oportunidades: reavivar memórias, revisar sabores e aromas, maior consumo sazonal e de proximidade, mais e melhor conhecimentos para maior adesão a esta padrão alimentar, a bem da saúde dos portugueses.
Nota: Artigo de opinião publicado na edição n.º 134 da Revista Jovens Agricultores, no âmbito do Dossier Dieta Mediterrânica/Agricultura Sustentável. A sua reprodução, parcial ou na íntegra, requer autorização prévia da AJAP.